A Visita ou Quando fazemos coisas que poderíamos ter evitado ou A gente é que sabe quanto a gente calça

Eu ia escrever uma coisa bem bonita, uma coisa de filme de Peter Pan, uma coisa final com argumento e contra-argumento já embutido feito lingüiça, à perfeição. Eu ia me desculpar. Eu ia sinceramente me desculpar por um crime que não cometi e cometi. Ele veio aqui, visitar a si mesmo, matar sua saudade de ser o que quer que seja que ele possa parecer por essas paragens, ele veio visitar um texto, um reflexo, um oceano, uma multidão de personagens saídos da lenda própria, ele avisou que vinha e eu, habitante, nativa, tranquei-me, tratei de fazer o ritual da clausura do escritório, da proscrição de ar-condicionado, do rodapé da falta de tempo. Cheia de ciência e arte, arruinei a educação de fundo português que recebi e toda a Lusitânia antepassada mal passada quer ver minha caveira. Eu ia escrever para me auto-execrar, para dizer “que amargo isso aí que eu cometi - essa falta toda, essa triste não-história”, é. Ia. Eu aprendi tem pouco tempo, vergonha isso, aprendi tem bem pouco tempo que desculpa, desculpa... Desculpa, mas desculpa não existe. Existe vontade. Pode ser muita, pode ser pouca, pode ser nenhuma. O meu trabalho exerceu uma grande e imensa vontade sobre meus sentidos, por isso nem tive forças para discar o número. Nem. Alguém me arrume vontade. Dinheiro também serve.
(originalmente publicado em: 04/08/2005, no meu antigo blog, cujo endereço deve permanecer no mais absoluto sigilo)