sexta-feira, novembro 10, 2006

Postiça



- por que você fuma?
- estou parando.
- mas por que você fuma?
- por que você trepa?
- hum...é.
- entendeu?
- é.
- hum, bueno.
- mas então você está dizendo que seu cigarro a cada meia hora é o equivalente a uma trepada?
- me deixe só, por favor.

Foi então que eu deixei o apartamento e a janela aberta e ela sobre a cama com os cigarros abertos sujando um pouco o lençol, mas não tem problema não, não é ela quem vai lavar. É sempre assim, nada é um problema e ninguém é escravo. Eu vou lá porque gosto de fazer perguntas. Eu tenho mania de perguntas. Essa do cigarro já é uma idéia antiga. Não gosto de ser mulher, eu podia ser um homem bem melhor do que sou mulher e um homem bem pior do que muito homem que eu vejo ser homem por aí. Eu seria um homem bem rude e bem fresco, ao mesmo tempo. Um homem rude, de responder equação A até B – sempre uma linha reta e bem firme - que é o que costumo muito fazer, e ninguém entende eu ser uma mulher tão rude e seca. E um homem bem fresco, não ia agüentar um minuto sem celebrar meu cabelo bem partido. Foi então que deixei o apartamento, com essa vontade de ser homem. Outro lugar para as perguntas.

Passei por uma esquina com uma feirinha de coisas, montes de coisas, sabe? Aquelas coisas fáceis? É. Eu achava que já era um homem quando quase morro de ver a vendedora da segunda banca da direita pra esquerda, cabelos pretos assimétricos e uma cara de quem acabou de se livrar de um peso bem grande. Como era bonita. E eu, como eu era homem naquela hora tão difícil. Eu era homem em minha vontade de ser homem, um artifício impossível e delimitado pela fé. Mas já não sustentava fé nenhuma, então virei mulher. Na hora. Alice sem biscoitos. E comecei a querer saber como é que eu, sendo mulher, poderia ter aquele cabelo assimétrico e aquela cara de quem acabou de se livrar de um grande peso. Um peso enorme. Foi então que lembrei que nos conhecíamos de umas fotos trocadas por amigos comuns, eu saí algumas vezes com o marido dela antes que ele fosse marido dela.

- estou apaixonado, sabe?
- sei.
- que é que eu faço?
- casa com ela.

Foi assim que consegui me livrar dele e foi assim que ele casou com ela, e não comigo.
Me senti reconhecida como o lobo conhece a lebre. Ela virou para os amigos ao redor e conversou com eles enquanto me olhava. Os olhos dela eram relaxados e passavam pelo meu corpo, pelos meus cabelos, pelas minhas rendas ao redor do pescoço. Medida por medida. Eu quis ir até lá. Dizer oi. Oi, eu acho você uma mulher linda e fico satisfeita de saber que meu ex-qualquer-coisa está feliz com você (e que eu não tenho obrigação de ser feliz com ele). Parabéns. Segui rua abaixo e rua acima. Eu agora era tudo misturado, os pedaços de cigarro fumados, os objetos à venda, os olhos sem peso, a fofoca. Eu era postiça de mim.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Navalha Cega...

Tem dia que de noite é uma merda. Tinha um amigo meu que falava assim. Amigo não, conhecido. Nunca tive realmente um amigo.
Aqui estou eu em casa, numa plena sexta feira, sentado na privada. Tinha um encontro com a Renata hoje. É, aquela mesma do bar. Tudo esquematizado. Muitas vezes penso que sou especial, tenho força, coragem, astúcia para fazer aquilo que desejo. Mas descubro a cada dia que nem tudo está ao nosso controle.
Fui acometido por algum problema intestinal. Resumindo, uma porra duma caganeira. Não sei de onde surgiu, mas acabou com minha noite de gala. Olho para o chão desolado e encontro minha calça jogada, a cueca com uma freada, a camisa com o cheirinho do perfume Armani (elas adoram) e o garrote, que estava no bolso. Uma pena. Iria levar a faca também, mas essa nem tive tempo de pegar antes de sair. A dor de barriga veio antes. É...Não foi a primeira vez que as coisas não deram certo para mim.
Lembro bem da primeira vez que quase perdi minha autoconfiança, minhas forças naquilo que acredito fazer melhor. Eu estava na casa de uma morena muito simpática, porém feia. Acho que aí que começou a dar tudo errado. Não gosto de atrair as feias, mas às vezes elas aparecem e eu achei que deveria fazer esse favor ao mundo. Foi a única vítima por quem não me senti atraído em toda minha vida.
Estávamos no banheiro, e resolvi acabar com aquilo rápido. Azulejos brancos por toda a superfície das paredes, assim como o piso. Ligamos a banheira e preparamos tudo. Ela foi a primeira a entrar. Pensei em entrar também, mas não valia a pena. Aquele olho esbugalhado não me atraía em nada. Então, esperei ela relaxar na água quente e fingi uma ‘’sede’’. Iria preparar um drink para nós. Estava apenas de cueca e fui para a cozinha.
Chegando lá, fiz duas caipirinhas bem meia boca, virei uma e levei a outra para o banheiro. Na passagem peguei uma faca pequena e um limão (sempre é bom ter uma desculpa caso me peguem de surpresa).
Entrei no banheiro. Ela estava cantarolando, olhos ainda fechados, água evaporando de uma banheira bastante quente. Sorri. Ia ser fácil. Aproximaria-me do alvo, voz aveludada, mão na cabeça e fóóó!! Faca na garganta.
Mas o que aconteceu foi algo sem explicação. Quando dei por mim mesmo estava acordando no pronto socorro próximo à casa dela, de cueca. Em algum momento do trajeto até a banheira escorreguei no piso molhado. Faca prum lado, limão pro outro, copo ao lado cortando minha mão e a cabeça abrindo com o choque no piso. Segundo ela apaguei na hora da paulada. Estampido seco e surdo.
Passei uns dois dias fazendo exames e em observação no hospital. E o pior de tudo. Ela ficou esse infindável tempo ao meu lado. Ficou com dó de me deixar sozinho, pois acreditou na história de que minha família morava em outro estado. Carícias, cartinhas, flores. Ela dizia estar apaixonada. Toda vez que abria meus olhos e encontrava aquele par de olhos esbugalhados me observando de maneira gentil, doce e meiga me dava asco, sem falar da vergonha.
Saí do hospital no terceiro dia com uma ‘’namoradinha’’ a tira-colo. A ‘’namoradinha’’ mais feia do mundo. Ela queria me levar pra casa dela. Nem fudendo. Disse que estava bem, entrei num táxi e fui pra MINHA casa. Prometi ligar de volta e pensando numa morte rápida para ela.
Nunca mais a vi. Um misto de dó, culpa e vergonha me inundavam toda vez que lembrava (e lembro) do episódio. Pensei em ligar para agradecer, mas achei a idéia ridícula. Virar sentimental naquela altura do campeonato só mostraria fraqueza. Demorei, como disse, a me recuperar dessa história, mas hoje é passado. E quem vive de passado é museu já disse isso? Olho pras calças largadas no chão novamente. Lembro da gostosa da Renata, que deve estar me esperando ainda. Marcamos num bar novo do centro. Ideal para um dia especial. Ninguém conhecido, muita gente...mas a safada vai escapar dessa.
É...Tem dia que de noite é uma merda.

postado por...Fernando Alonso

terça-feira, novembro 07, 2006


(postado por Roberta Nunes...saudade, baby)

Começou a chover.
Forte.
Tempestade.
O vento varrendo as folhas, derrubando as flores, destelhando casas.
Letreiros de neon balançando perigosamente.
O bar estava cheio.
Pessoas fugindo da chuva.
Não tenho medo de me molhar.
E nem de me queimar.
A bebida forte serve pra esquentar os ossos.
Me sinto velho.
Cansado.
A mão trêmula mal segura o copo.
É o frio.
Sempre tenho frio.
O casaco comprido nunca é suficiente.
Caminho na chuva, sem rumo.
Não quero voltar pra’quele pulgueiro.
A presença dela é forte demais lá.
O cheiro.
O recado escrito com batom no espelho do banheiro.
A CULPA É SUA.
Me dissera que Alguém morreu pra redimir a minha culpa.
Acho que eu não entendi direito o recado.
Ou ela não entendeu.
O cigarro não fica aceso.
A chuva castiga.
Açoita sem dó.
A mente vagueia.
Tenho vontade de escrever .
Sobre folhas e flores ao vento.
E o batom vermelho na boca selvagem dela.
Seu corpo esguio, as pernas longas cruzadas nas minhas costas, os dentes no meu pescoço.
Mas, perdi o jeito.
Não seguro mais a caneta.
E a velha máquina de escrever há muito foi pro prego.
E ela se foi.
Não tenho mais pra onde ir.
Casa.
A casa que ela abandonou.
Não me diz mais nada.
Não é meu lar.
A corda já está lá.
A cadeira embaixo.
Rio baixo.
Um riso honesto.
Sincero.
O último.
Gole.
Trago.

...
Noites chuvosas me deixam deprimido.


“Eu amo a noite com seu manto escuro. De tristes goivos coroada a fronte. Amo a neblina que pairando ondeia. Sobre o fastígio de elevado monte...” – Fagundes Varela