Postiça

- por que você fuma?
- estou parando.
- mas por que você fuma?
- por que você trepa?
- hum...é.
- entendeu?
- é.
- hum, bueno.
- mas então você está dizendo que seu cigarro a cada meia hora é o equivalente a uma trepada?
- me deixe só, por favor.
Foi então que eu deixei o apartamento e a janela aberta e ela sobre a cama com os cigarros abertos sujando um pouco o lençol, mas não tem problema não, não é ela quem vai lavar. É sempre assim, nada é um problema e ninguém é escravo. Eu vou lá porque gosto de fazer perguntas. Eu tenho mania de perguntas. Essa do cigarro já é uma idéia antiga. Não gosto de ser mulher, eu podia ser um homem bem melhor do que sou mulher e um homem bem pior do que muito homem que eu vejo ser homem por aí. Eu seria um homem bem rude e bem fresco, ao mesmo tempo. Um homem rude, de responder equação A até B – sempre uma linha reta e bem firme - que é o que costumo muito fazer, e ninguém entende eu ser uma mulher tão rude e seca. E um homem bem fresco, não ia agüentar um minuto sem celebrar meu cabelo bem partido. Foi então que deixei o apartamento, com essa vontade de ser homem. Outro lugar para as perguntas.
Passei por uma esquina com uma feirinha de coisas, montes de coisas, sabe? Aquelas coisas fáceis? É. Eu achava que já era um homem quando quase morro de ver a vendedora da segunda banca da direita pra esquerda, cabelos pretos assimétricos e uma cara de quem acabou de se livrar de um peso bem grande. Como era bonita. E eu, como eu era homem naquela hora tão difícil. Eu era homem em minha vontade de ser homem, um artifício impossível e delimitado pela fé. Mas já não sustentava fé nenhuma, então virei mulher. Na hora. Alice sem biscoitos. E comecei a querer saber como é que eu, sendo mulher, poderia ter aquele cabelo assimétrico e aquela cara de quem acabou de se livrar de um grande peso. Um peso enorme. Foi então que lembrei que nos conhecíamos de umas fotos trocadas por amigos comuns, eu saí algumas vezes com o marido dela antes que ele fosse marido dela.
- estou apaixonado, sabe?
- sei.
- que é que eu faço?
- casa com ela.
Foi assim que consegui me livrar dele e foi assim que ele casou com ela, e não comigo.
Me senti reconhecida como o lobo conhece a lebre. Ela virou para os amigos ao redor e conversou com eles enquanto me olhava. Os olhos dela eram relaxados e passavam pelo meu corpo, pelos meus cabelos, pelas minhas rendas ao redor do pescoço. Medida por medida. Eu quis ir até lá. Dizer oi. Oi, eu acho você uma mulher linda e fico satisfeita de saber que meu ex-qualquer-coisa está feliz com você (e que eu não tenho obrigação de ser feliz com ele). Parabéns. Segui rua abaixo e rua acima. Eu agora era tudo misturado, os pedaços de cigarro fumados, os objetos à venda, os olhos sem peso, a fofoca. Eu era postiça de mim.