sexta-feira, outubro 20, 2006

Salomé Cheia de Misericórdia




Dramatis Personae:

- SALOMÉ, enteada de Herodes, apaixonada por Iokanan, mas louca para cortar-lha a cabeça e livrar-se do padrasto.
- IOKANAN, o profeta, mais conhecido como João Batista, prisioneiro de Herodes, amado por Salomé.
- SOLDADOS, todos fissurados em Iokanan.
- HERODES ANTIPAS, Tetrarca da Judéia, que só queria saber de comer a Salomé.
- INSETOS, os mais variados.

Cena 1


Um poço cercado por oliveiras e a entrada do palácio de Herodes. Salomé entra correndo, com apenas dois véus restantes de sua dança, os seios nus, o rosto e as mãos vermelhos de sangue, e debruça-se sobre o poço. O sol se põe.

SALOMÉ: Iokanan, desperta do teu orgulho impossível, hoje eu tiro você desse poço.

IOKANAN: Não precisa, vá embora, prefiro os leões e o sal.

SALOMÉ: Egoísta. Você é igual a Herodes. Só quer saber do seu prazer sádico. Nunca pergunta como foi meu dia. Escuto seus problemas, já sei tudo sobre como é ser prisioneiro, envio-te as melhores ameixas e o melhor vinho e o melhor pão com o melhor azeite e você! E você me dá em troca seu orgulho diário! Você nunca pergunta sobre minha vida! Você nem sabe nada de mim, Iokanan! Eu que me devoto tanto!

IOKANAN: Não posso fazer nada por você, que só dá atenção querendo atenção em retorno. Esse não é o amor de Deus. Se eu estivesse livre e passasse na tua frente, ia ser tudo muito diferente, nem ia querer me ouvir, nem olhava pra minha cara! Mudando de assunto, o soldado me contou que você pediu minha cabeça em troca de livrar-se dos anseios de Herodes. Quando será meu martírio? Estou ansioso!

SALOMÉ: Ah! Então quer ser mártir? Sem ralar? Sem ralar nem um pouco? Realmente mandarei exterminar esses soldados linguarudos! Vai ter que ralar pra ser mártir, meu bem! Escalavrar essas mãozinhas no meu corpinho! Depois a gente conversa sobre seu martírio e ir pro céu e tudo mais.

IOKANAN: Sou mais os leões.

SALOMÉ: Você é muito gay, não dá pra conversar com você. Que desperdício de homem, meus deuses!

Sangue desliza do pescoço de Salomé e cai sobre os olhos secos de Iokanan.

IOKANAN: Você derrama sangue da tua língua viciada, mulher! Sangue imundo, puro fel!

SALOMÉ: Deixe de drama. Bem, eu vim aqui toda feliz te contar o que eu fiz por nós dois, mas você fica aí me ignorando... Então, nada pra ninguém. Fui.


Cena 2


O cenário escurece e surge uma grande lua, que ilumina o poço, o portal do palácio e as árvores. Há insetos sobre o poço e ao redor. Música indica o início da cena. Salomé, ainda com sangue sobre o corpo, entra dançando com uma taça nas mãos, completamente nua. Ela está acompanhada por soldados com cordas.

SALOMÉ: Herodes está morto e sou livre. Bebo seu sangue esguichado do grande rasgo que fiz em sua garganta, com meus dentes! Os olhos eu como mais tarde, fritos.

PRIMEIRO SOLDADO: Salomé é rainha!

SEGUNDO SOLDADO: (falando baixinho) Cala a boca, infeliz, não vê que ela está louca e é uma feiticeira! Precisamos tirar Iokanan desse vexame e livrá-lo dessa mocréia!

PRIMEIRO SOLDADO: Você tem é inveja dela, que é linda e poderosa! Pensa que eu não sei que você e o Ioko estão de farra nesse poço há um tempão?

SEGUNDO SOLDADO: Pega leve, não é bem por aí...nós estávamos projetando uma grande fuga! Agora que ela acha que tem o poder por ter matado Herodes, claro que vai querer soltar o profeta! Aí a gente foge com ele!

PRIMEIRO SOLDADO: Não sei não, ela é muito estranha... Outro dia mesmo ela me inventou uma brincadeira com o chicote... Não gostei não! E se ela inventar de açoitar o pobre? Ele morre, de tão fraco!

SALOMÉ: Ouço vozes! Vocês dois, tragam as cordas! Iokanan, você não me assusta com sua praga de insetos nível básico! Hoje você dança comigo. E ainda trouxe um brinquedinho! Tirem logo ele daí!

Os soldados ajudam Iokanan a sair, escalando as cordas. Os insetos desaparecem. Salomé faz uma reverência demorada a Iokanan, ficando prostrada sobre o corpo nu. Iokanan parece perplexo diante da mulher de cabelos negros desgrenhados, o corpo branco e nu coberto por sangue. Ela se levanta.

SALOMÉ: Soldado, me dá o chicote!
SOLDADO: Sim, minha rainha.
SALOMÈ: Agora podem ir.

Ela espera até que os soldados saiam.

SALOMÈ: Açoita-me, sou o demônio! Vamos, pega o chicote e me açoita! Anda logo!

Estranhamente, Iokanan aceita o serviço, mas sem alegria. Salomé prostra-se novamente para receber os açoites, que são muitos e intensos. Ela grita. Ele grita. Cansado, o corpo de Iokanan resvala sobre o de Salomé. Os dois rolam um sobre o outro, dividindo o sangue. Salomé adormece, satisfeita pela surra.

IOKANAN: Sigo para o deserto, para encontrar o Filho do Homem!

SOLDADOS: Vamos com você, belezura.

Saem Iokanan e os Soldados, de mãos dadas, trotando.


Cena FINAL

Salomé acorda e percebe que está sozinha. Dança ao redor do poço e cai no chão, cansada.

SALOMÉ: Então, a vida é essa! Amar e receber traição em retorno, amar e ser trocada por uma cambada de cães, amar e ser trocada pelo deserto! Iokanan! Traidor Iokanan, egoísta, orgulhoso, covarde! Esconde-se atrás de uma fé estranha para poder andar com os meninos da tua escolha! Eu só queria uma atenção, mínima, você poderia se divertir muito, depois, com quem quisesse! Não é assim, hoje em dia? Mas não... Tinha que ser só do seu jeito. Burro! Vou procurar um analista e casar com ele! Pelo menos alguém vai me ouvir!

Salomé sai, cuspindo no poço e no chão.

Cai o pano.

quinta-feira, outubro 19, 2006

URBANOS - parte 1.


Eu olhava pela janela. Saí do banho, após ter lido um poema sobre janelas e assassinato, de Antonio Cícero, o irmão e amante ocasional da Marina Lima. Eu tinha fotos dos dois trepando. Ele gostava de receber, ela gostava de enfiar.
Poetas são pervertidos escrotos.
Eu já tenho cinco livros publicados.
Apaguei as luzes. Acendi o cigarro. Assoprei o incenso.
E sentei na poltrona, ajustei a objetiva e fiquei sacando a moça.
Eu conheço a vaca.
Ela me fotografou numa festa.
Eu estava fotografando o amante de uma piranha casada com o oficial da Kodak em São José dos Campos.
E o corno fotografava paisagens.
Tá explicado ? Clara a cadeia alimentar ?
Ela me chupou em um hotel em São Paulo. Oscar Freire. Diária bônus e um boquete. Diriam os poetas com quem finjo amizade e uma personalidade social: Boquete sem ônus. O problema é quando vira piada e de ânus, paramos em um estupro consentido na tarde da zona nobre da metrópole. Faz tempo.
E agora, eu aqui, acaso, agora.
Ela de novo.
Recebi a foto numa vernissage.
P&B, tremida, como eu ensinei ela a fazer.
Pessoas que batem suas próprias fotos, algo triste pra cacete.
Mas a emoção, essa, eu guardo para a rotina.
A frieza é que, pela sua raridade de hobby, me enternece.
Ela, peladinha, corpo pequeno, tetinhas boas de chupar e eu sou bom de chupar tetinhas. As grandes me cansam. As grandes não procuram epopéias. O diminuto, o detalhe, sem compensação fálica, me exaltam, lindas tetinhas.
Ela de roupão, de lá pra cá, procurando algo, vez ou outra, parece me sacar na urbanidade. Mas é ilusão. Essa cidade é ilusão. Todo amor tem a verve de uma punheta manicomial.
Ela bebe e fuma um beque.
Ontem entrevistei uma antiga amiga:
- Faz tempo que vejo ela indo pro caminho errado. Ela projeta no futuro a dor e o fúnebre. Quem é você ? Quer um café ?
- Sorria.
Tenho certeza que obteria o mesmo fim, sem tanto esforço.
Mas e a ameaça do desejo ?
Resumindo: e o desejo ?
O cara da Kodak foi morto pelo amante da mulher. Puta caso de polícia.
Eu sei quem é o assassino.
A questão é que a puta tem fotos do assassino
fotografando
em uma festa
o assassinado e a esposa e o amante.
E a esposa tem uma grande amiga. Que foi minha amante.
E que agora eu observo, poeta menos que perverso,
pela janela de um hotel menos chique, antigo, velho, bolo de noiva.
Mas alto e babel.
Quem tinha de sacar já sacou.
Mas como ela sabia ou antecipou ?
Eu não falo dormindo e muito menos, bem menos, fudendo.
Posso até babar. Mas não falo.
Assassinato ou chantagem ?
Querida, faz uma semama e três dias.
Faça uma merda.
Simbora.
Você tem dez dias.
Não quero conversa tua com aquele delegado.
Pode dizer que é ciúmes. Preservação da espécie.
Já sondei seu apartamento. Já abri, perdão, seus arquivos no computador.
Perdão a porra. Onde você deixou as fotos das fotos ?
Achou o que procurava.
Continua perdendo o celular debaixo da almofada amarela.
É uma anta, essa vaca esperta.
Na cidade é assim.
Enquanto você acredita nela,
acha bastante graça. Escreve poemas. Inverte rotinas com esperança de praia como ponto final da falta de vergonha na cara.
Depois passa como uma doença que se pega na madrugada dos manés.
Xamãs laboratorias. Esse é outro papo.
Ela disca.
Sabe de cor o número. Mas não tem na agenda. Fotografo. Um flash a mais entre olhos de fantasmas chorosos espalhados, manja, por aí. Por aqui.
O meu celular toca.
Eu fingo, como num soneto, um arrepio.
Atendo:
- Deixe a garota em paz.
Voz masculina.
- Quem é ?
- Alguém que está te fotografando agora.
Desligo.
Conheço.
Memória fraca.
Lá longe, o oceano brisa maresia.
Visto a jaqueta no elevador.
E dou um telefonema.

( continua....)

. °

terça-feira, outubro 17, 2006

Suspiro, noir, cerveja gelada

Sempre gostei de estar apaixonada.
E fico assim, curtindo esse êxtase, muitas e muitas vezes, por muito e muito tempo.
Não é fácil.

Mas, seria impossível imaginar outro tipo de vida.
Uma vidinha pacata?
Uma vidinha sem-graça?
Uma vidinha sem montanhas-russas de sentimentos?
Sem avalanches de sensações?
Sem tsunamis de beijos proibidos?
Sem viagens loucas?
Não.
Nem pensar!
E, tentem adivinhar?
Me apaixonei de novo, háhá.
Ou seria, de novo, e de novo?
Um romance antigo? Alguém que voltou (e que nunca foi, na verdade )?
Alguma cicatriz deliciosa que teima em não parar de verter sangue e tesão e doideiras na madrugada?

Os nossos sonhos sussurrados, e as pilhas de livros deslizando pelos tapetes.
Aquela história que não terminei de ler não me sai da cabeça...
Quem sabe a Morte, da próxima vez?
Acredito que a minha próxima tatuagem seja uma espada.
Medieval.
Ou bárbara?
Sem simbologias cristãs?
Não sei ainda.
Só sei da marca que trago no coração.
E das malditas agulhadas que o ciúme insiste em espalhar pela minha alma.
Mas, não posso.
Tenho o espírito livre, e o meu direito é o seu direito.
O meu caminho, não é o seu.
E as minhas amarras são suaves tiras de seda, e os lençóis são linho puro, e a luz translúcida do abajur não me deixa fingir.
Eu tenho o dever de procurar em outros, e não ser eu mesma.

Uma Grace Kelly, num filme qualquer de Hitchock, lânguida e linda, sendo atravessada pela mais cruel espada, aquela que nega, nega e nega o amor, e depois despeja todo vinho do espólio em taças de prata, e derrama tudo sobre o corpo suado, numa erupção de gozos impossíveis, com dragões brincando de gangorra pela espinha.

Essas ondas de paixão me embriagam.
Me fazem dizer, em altos brados: danem-se.
Grito com toda a força dos meus pulmões: danem-se.
Foda-se, foda-se, foda-se.

(doutor, essa loucura é o quê, afinal?)

Olhar pra trás, quando o meu táxi vira a esquina, foi muito dolorido.
Olhar pra trás, quando o seu táxi me deixou no metrô, foi muito dolorido.
A diferença é que na minha partida, o dia estava ensolarado.


"Don't you fucking know what you are?
Com'on get back to where you belong!
You better take a good look 'cause I
'm full of shit
With every bit of my heart
I've tried to believe
You can dress it up, you can try to pretend
But you can't change anything in the end"
You Know what you are? - Nine Inch Nails


"Porra, você não sabe quem você é?
Venha cá e volte para onde você pertence
Você dá uma boa olhada porque estou cansado dessa merda
Com todos os pedaços do meu coração eu tento acreditar
Você pode vesti-lo, você pode tentar fingir
Mas você não pode mudar nada no final"
Você sabe quem você é? - Nine Inch Nails


Roberta Nunes
17/10/2006

segunda-feira, outubro 16, 2006

Vida a dois

- Oi Lú tudo bem?
- Tudo ‘’mô’’.
- Que cara é essa?
- Nada. Estamos indo comer onde?
- No Jardim Sul mesmo. É aqui perto e tem coisas boas lá.
- Falei com o Fê hoje. Então, vamos para a praia amanhã?
- Não, não, não, NÃO!!
- Não, não, não, não? Que putaria é essa?
- Eu não quero!
- Não quero? E o que eu quero? Não conta?
- Eu tô gorda.
- Então pára de comer essa merda dessa barra de chocolate de meio kilo! Porra!
- Como você é grosso!
- Lú vai começar? Por que você não quer ir? Nós já tínhamos combinado isso desde a semana passada!
- Por que eu sempre tenho que fazer o que você quer e seus programas? Você nunca faz o que eu quero.
- Como assim? Não fomos no pagode que você queria? Não fomos visitar aquela pentelha da sua prima também?
- Tá vendo? Olha como você fala!
- É verdade ué. O que você queria? Que eu mentisse pra você?
- Eu queria que você me levasse no Circo.
- No circo? NO CIRCO? Quantos anos você tem? Porra! Parece que você tem quinze anos! Você ta é fazendo pirraça! E...Ah não começa a chorar!
- Não to fazendo pirraça! Você que é egoísta.
- Pronto vai, chegamos. Vamos comer.
- Lú?
- Você não vai descer do carro?
- Não vou!
- Ah não. Assim não vai dar certo.
- Só porque estamos discutindo? Se você não quer mais avisa logo!
(partida no carro, momentos de silencio).
- Desce. Chegamos na sua avó. Vou te deixar aqui e vou comer.
- Não precisa mais aparecer se não quiser.
- Tá bom. Tchau.
(10 minutos depois)
- Alô?
- Oi ‘’mô’’
- Fala Lú.
- Vem aqui?
- Tá. To indo.
- ''Mooô’’. ‘’Toelho’’? Te amo viu?
- Eu também te amo ''bebê''!