quinta-feira, julho 06, 2006

MALENA


















Já velho, ele se lembra de Malena.
- Onde ela está ?
- Em algum lugar ao norte do equador.
Ele conhecera a verdadeira, na foto ele é o senhor de chapéu em feltro. Foi cortado.
Naquela época, ambos queriam o máximo. Ele continua assim. Ela sabia dar amor, muito amor, deve continuar assim. Estranho ela o chamar para a viagem exatamente agora, na véspera da morte.
Mas ele faz a mala assim mesmo. Chamou o táxi:
- Pra onde, doutor ?
- Aeroporto.
- Bem rápido ?
- Isso.
Taxistas lhe serviram a vida toda como informantes. Malena fumava dentro dos carros, ele pagava mais por esse luxo. Malena tinha uma tatuagem de sol e lua nas costas. Ele não se cansava de passar a língua de um para outro astro.
A memória era garantida por um chip de inteligência artificial.
A memória dizia que ele conhecera a Malena verdadeira.
- Esse é seu nome mesmo ?
- Sim. Por quê não seria ?
- É tão bonito. Você é tão pequena.
- Posso usar o banheiro ?
- Claro.
- Posso fumar lá dentro ?
- Eu penso que sim.
- No fim das contas, você não poderá ser indeciso dessa forma.
Choques no chip.
Abre a janela, acende um charuto. O mar de cogumelos está em alta. Gatas negras se escondem debaixo das sombras e molham as patinhas nas ondas, brincam e saltam.
O porto flui sujeira humana: marinheiros carragam lápides nas costas. Não consegue ver se alguma tem seu nome. Traga a fumaça do charuto, a brasa recordando: é impossível não pensar em Malena. O nome dela, o cheiro, o sabor, tudo está grudado bem no corpo caloso, que comunica um hemisfério com outro do cérebro. Sentimento e razão. Por onde tentasse escapar, lá estaria ela, de braços abertos, na Chapada. No Distrito Federal. Em Barão Geraldo. Na Índia, principalmente Índia e Tânger.
No início ela não gostava de dar a boca a beijar.
Ele a forçou.
Ela cedeu e muito sexo veio depois disso. Com malabarismos que ele se segurava para não cair da cama. Ela ria do desjeito. Abusada. Angelical.
De noite ela tinha aulas, se decidindo entre teatro e dança.
- Você pode fazer as duas coisas.
- Eu já faço mais de duas. Preciso me focar.
Até onde sabia, foram 7 maridos ricos. Mortos de maneira assassinada. Jardineiros não paravam nas mansões. Na balaustrada, enrolada em um lençol. Na janela, fumando sempre, ele escrevendo o romance, em 15 dias, sobre ela.
- Como vai se chamar sua personagem ?
- Malena.
- Posso colocar assim, sem mais nem menos, você é um pouco mais que uma adolescente e...
- Deve.
"Então Malena saltou janela adentro e veio massagear meu couro cabeludo(...)"
A lixeira lá embaixo, ele se lembra, pegou em chamas. O cheiro ficou insuportável. Ele teve que fechar a janela. Malena não se importou, nunca ficava de marra.
Ofereceu o toco do charuto para o motorista, que aceitou de pronto.
Dos navios, mulheres nuas mergulhavam para alto mar. Loucas de uísque e vinho. Nas bocas de tubarões destentados, carinhosos. Tubarões cegos por algas enraizadas nas retinas.
Ele também já era cego. Mas o chip se conectava por fios ao nervo óptico. E às memórias. E ao desejo de futuro.
No aeroporto, dispensou os ajudantes, em seus trajes amarelos desfocados. Ela lhe mandara a passagem. Foi até uma cabine eletrônica individual. Abaixou a calça e ligou o fio na próstata hipertrofiada. Descarregou todos arquivos que possuia. E depois deletou tudo. Levaria consigo sua vida e a de Malena. A intimidade não cabia a mais ninguém. A senha, tatuada em suas pelancas, apenas para quem soubesse ler, e não tivesse nojo do mal cheiro.
O elevador de cristal o levou para a interzona de embarque internacional.
- Senhor, o indicador de metais está indicando...
- É meu transplante cardíaco.
- Perdão. Boa sorte. Boa viagem. Boa saúde.
O transplante era de porco.
A pistola era de alumínio compensado.
Nos jornais e revistas, da Aviação Cometa, apenas revistas e jornais antigos. "O mundo acabou ontem". Novidade. "Apenas baratas estão vivas". Sempre elas. "Etilarias saqueadas".
- Me veja um uísque, mocinha. Sem gelo.
Tomou de um gole, com a cabeça para trás, para que, ritual, a bebida chegasse mais rapidamente ao chip.
- Senhor, o cinto de segurança não está...
Tirou a pistola e meteu a bala entre os seios da garota.
Guardou novamente no coldre e fechou os olhos.
Nunca conseguia sonhar com Malena.
- Garota, você está morta ? Pode fazer o favor. Exiba aquele filme de Mônica Bertolucci.
- Preciso me recuperar um pouco. Fraturei a casca externa.
- A próxima bala será dentro da sua boca fétida.
- Já estou indo, já estou me levantando, o senhor é cruel e adorável.
- Peça para o motorista acelerar.
Os ratos de porão mordiam o carpete vermelho sob seus pés descalços.
Era gostoso, sim, decidiu, gostoso.
Abriu os olhos dentro de um tubo de ensaio hospitalar.
- Ele ligou.
- Senhor ? Está on line ?
- Sim. Onde está Malena ?
- Aguardando no Comunicator.
- Me coloque dentro de alguma máquina sua.
- Precisamos da senha. Os ratos comeram.
- Apenas me coloque, otário.

" Velho rio, como um velho, cansado, mal-tratado rio..."
( Wander Wildner)

Anjinhos gorduchos e míopes fizeram o serviço com agilidade e música barroca.
- Malena ?
- Oi meu amor.
- Onde você está ?
- Não muito longe.
- Em uma cidade ?
- Tudo é cidade.
- Você pode receber uns arquivos aí ?
- Posso.
- Publique tudo. Venda caro. E doe a grana para as famílias de seus ex-maridos.
- Case comigo antes de morrer.
- Não caio nessa, Malena.
- Até que enfim aprendeu a ser esperto.
- Sou cruel e adorável.
- Eu sempre te dizia isso. Não mudo uma vírgula.
- Não tem vírgula.
- Esperto mesmo. Vamos, mande os arquivos.
- ...
- Lerdo.
- Download concluído.
- Obrigada. Vou passar bem. A histórtia é minha. Realmente vou ficar bem, querido.
- Eu sei.
- Babaca.
- Será, Malena ?
E apagou todas as luzes do mundo. Apagou a si mesmo. Apagou todas as memórias. Todas histórias.
Agora sim, Malena.
Agora as notícias são atuais.
Baratas universais morrem de delirium tremens.

terça-feira, julho 04, 2006

O presente que eu me dei de aniversário

(postado por mim, Roberta Nunes, pra contar o dia do meu dia...)

O ruído de carne batendo na carne.
Os sons de tortura, gemidos, suspiros profundos, ranger de dentes e ossos estralando.
O sol batendo direto nos olhos.
Um espelho antigo na parede oposta.
Sid Vicious.
- Adoro esse barulho...
- É barulho de foda, Ro.
Olho no olho.
Pressa.
Devagar.
Fui longe dessa vez.
Fui pra longe.
Viajei distâncias improváveis.
Só pra te provar.
Só pra provar, talvez,
mais pra mim do que pra você que o sabor das coisas pode ser acre.
E doce.
Como cuspe na cara.
Um sorvete sendo lambido e lascivo em frente à vitrine da livraria.
Não foi intencional, mas já estava premeditado, acho.
Enquanto a estrada corria sob meu corpo, minha mente vagava no corpo sobre meu.
Não consigo me desligar do vício de Sid Vicious nos momentos mais loucos, em pleno sol da tarde, lendo o lustre de bolas de vidro,
Meu corpo uma estrada perdida , on the road, gritando o quanto a vida é louca, e eu não sei mais o que fazer com a fome.
Tenho pressa, e não tenho tempo pra ter calma.
Essa fala é minha.
E sua.
Claro que os motivos são diferentes, e os mesmos, no fundo.
Foi meu aniversário.
Vinte e oito anos, latente.
Dia quente na sua cama-prisão.
Noite fria na minha cidade-estado-alma.
A garoa, senti como os respingos de água quente do banho a dois.
Tirei os óculos imprestáveis e recebi tudo na cara, molhei os cabelos.
Sinto a saudade lá, bem no fundo da alma e do útero.

Curiosidades: Shakespeare usava a palavra punk para designar prostitutas. Alguns séculos mais tarde, a palavra significava sadomasoquismo.

domingo, julho 02, 2006

AMERICAN PIE


Domingo Musical em cinco atos

Ritchie Valens, Buddy Holly, Janis Joplin, Big Booper e Elvis Presley. "O dia em que a música morreu".

2

A long long time ago
I can still remember how that music used to make me smile
And I knew if I had my chance
That I could make those people dance
And maybe they'd be happy for a while.
But February made me shiver
With every paper I'd deliver
Bad news on the doorstep
I couldn't take one more step
I can't remember if I cried
When I read about his widowed bride
But something touched me deep inside
The day the music died

{Refrain}
So bye-bye, Miss American Pie
Drove my chevy to the levee
But the levee was dry
And them good old boys were drinkin' whiskey and rye
Singin' this'll be the day that I die
This'll be the day that I die

Did you write the Book of Love
And do you have faith in God above
If the Bible tells you so
Do you believe in rock 'n roll
Can music save your mortal soul
And can you teach me how to dance real slow
Well, I know that you're in love with him
'Cause I saw you dancin' in the gym
You both kicked off your shoes
Man, I dig those rhythm and blues
I was a lonely teenage broncin' buck
With a pink carnation and a pickup truck
But I knew I was out of luck
The day the music died

I started singin'

{Refrain}

Now for ten years we've been on our own
And moss grows fat on a rollin' stone
But that's not how it used to be
When the jester sang for the King and Queen
In a coat he borrowed from James Dean
And a voice that came from you and me
Oh, and while the King was looking down
The jester stole his thorny crown
The courtroom was adjourned
No verdict was returned
And while Lenin read a book of Marx
The quartet practiced in the park
And we sang dirges in the dark
The day the music died

We were singing

{Refrain}

Helter Skelter in a summer swelter
The birds flew off with a fallout shelter
Eight miles high and falling fast
It landed foul out on the grass
The players tried for a forward pass
With the jester on the sidelines in a cast
Now the half-time air was sweet perfume
While the Sergeants played a marching tune
We all got up to dance
Oh, but we never got the chance
'Cause the players tried to take the field
The marching band refused to yield
Do you recall what was revealed
The day the music died

We started singing

{Refrain}

Oh, and there we were all in one place
A generation Lost in Space
With no time left to start again
So come on, Jack be nimble, Jack be quick
Jack Flash sat on a candlestick
'Cause fire is the Devil's only friend
Oh, and as I watched him on the stage
My hands were clenched in fists of rage
No angel born in hell
Could break that Satan's spell
And as the flames climbed high into the night
To light the sacrificial rite
I saw Satan laughing with delight
The day the music died

He was singing

{Refrain}

I met a girl who sang the blues
And I asked her for some happy news
But she just smiled and turned away
I went down to the sacred store
Where I'd heard the music years before
But the man there said the music woudn't play
And in the streets the children screamed
The lovers cried, and the poets dreamed
But not a word was spoken
The church bells all were broken
And the three men I admire most
The Father, Son and the Holy Ghost
They caught the last train for the coast
The day the music died

And they were singing

{Refrain}

They were singin'...

They were singing bye-bye, Miss American Pie
Drove my chevy to the levee
But the levee was dry
Them good old boys were drinking whiskey and rye
Singin' this'll be the day that I die

Don McLean - 1971

Link para ouvir a música:
http://pt.wikipedia.org/wiki/American_Pie_(can%C3%A7%C3%A3o)