quarta-feira, junho 07, 2006

SUAVIDADES.

" O tojo caindo o sol do fim da tarde. A caruma dos pinheiros
traz as crianças para a infância, os velhos jogam à malha no
caminho de Candeeira e as mulheres conversam junto aos
tremoços, chamando-os, desde o coberto, para a merenda."
(Jorge Reis-Sá)

( quinta-feira, 01:05, zune a borracha de meus chinelos)


Na fazenda aprendi a andar no cavalo, minha prima me ensinou. E quem nunca teve uma prima, primo ?
Cavalgar um animal como aquele. Observar minha tia fazendo um parto de égua.
A grande vagina chamando toda minha atenção.
Minha prima apertava minha mão.
A mais bonita, hoje é gorda.
A mais feia, hoje me liga, para saber quando vou vê-la desfilar.
Só se for à cavalo.
Como um bife duro, que me tornei, sob os ovos de insetos, sob a terra, sob a decomposição
da ternura que sentia pelo animal. Meus ovos boiam na água da vaca.
Todas as férias, lá estava eu.
Apostar corrida no trigal.
De noite, meu primo e nós, cintas amarradas nos punhos, fivelas adiante do metal , arrumávamos briga, defender a honra incestuosa que carregávamos.
Na santa mesa, uma oração. Sempre para Nossa Senhora Aparecida. Padroeira do casamento de meus pais. Meus tios foram padrinhos. Ainda não havia rosas na estrada, como hoje, como chagas, unindo São Paulo e Rio de Janeiro, dita Dutra, acidentes que rezava muito antes de saber, que não acontecessem.
Ficava com a cabeça entre o banco pai e o banco mãe. Réstia hóstia de menino.
De olho na velocidade. De olho no olho do cavalo de mil motores, que atraia a morte.
Nunca sonhei com minha própria morte. Apenas dos entes queridos.
Que eu brigava e brigo em fazer viver, não escoar para as valas do trigal.
E quando descia o dia, remanço de leite, amançava meu torpor, acordava para passos lentos no corredor.
Pé ante pé.
Unhas de hálux que se cravavam, como à crina, sincera sina de rebento odioso.
Se de poesia, um dia fiz carne, sangrou em minha boca uma contaminação sem tamanho.
E quando descia a madrugada, íamos ver o potro, um e outro a se agarrar medroso; de honra incestuosa perdida, entre primos de tantos graus: na ribeira da cachaça.
- Que cor é essa?
- Branca.
- Que cor aquela?
- Branca.
- E aqui em mim, logo aqui, coloca do dedo?
- Sinto que é branco onde tensiono rugosidades.
- O que bebe a vaca? O que bebo eu?
- Água.
- Droga. Queria que você respondesse "leite", Paulo.
Aprendi aí, na lamparina da entrega, na ventania capinzal, a nunca ter a última palavra, que se dita, entraria em toda morada de verbos aconjugados.
Prima e prima faziam curativos em Paulo e primo.
Compraziam-se as primeiras lágrimas, já que nasci de vistas ao mundo.
Quando o avião partia, apátrido, pária, teco-teco ou Varig, cavalos corriam debaixo das asas, cagando rosas na estrada sombreada.
Ancas de aeromoças.
Anagramas de velhas ajoelhadas.
Eu disse:
- Prima, você não é do tipo que gosta de homens que se ajoelham.
E contrariando previsões, acentuando mágoas, a última
palavra
foi
a
minha.
(Saudades são sucursais de uma praia sem promessas)