terça-feira, setembro 05, 2006

Uma coca e um pecado



(postado por Roberta Nunes, ainda no clima noir...)

Até agora, eu não sei porque ela veio.
Nem de onde.
Talvez do inferno.
Talvez do paraíso.
Talvez de algum reino encantado, pronta pra me atormentar.
Chegou aqui.
Sorriu pra mim.
Fui violento com ela, que era pequena e parecia frágil.
Se dobrou ao meu abraço.
Se curvou à minha vontade.
Caiu de joelhos diante do meu desejo.
Explodi toda a minha raiva nela, um gozo furioso.
Com certeza, deixei o seu corpinho machucado, e as marcas dos meus dedos vão demorar pra sumir daquela pele tão branca, e só um batom muito escuro vai disfarçar o roxo dos lábios mordidos.
Com certeza, deixei a marca da minha frieza nela, pude ver isso nos olhos espantados dela quando mandei-a embora, sozinha, e mascarou a surpresa com um sorriso tímido.
Naquele momento, me pareceu desprotegida, mas, o mais estranho é que não parecia indefesa, caminhando com jeito de moça vivida, segura de si, ginga de quem já passou por poucas e boas, e eu sei que passou e ainda passa, pois conheço a sua história.
Ela trouxe o inferno pro meu sangue.
Me deixou insano e fervente, uma glande pulsante pensando por mim.
Não devia.
Ou melhor, ainda não sei se devia.
Fiz o que ela quis que eu fizesse, ela me queria e me mostrou o caminho.
O que ela quer de mim, ainda não sei.
Nem sei o que eu quero dela, se é que quero alguma coisa.
Talvez arrependimento.
Talvez tesão ainda maior, vontade louca de invadir e ouvir gritos.
Quem merece?
E vou de cruz em cruz, buscando redenção pelo mal que eu mesmo provoquei, entornado cálices e mais cálices de mel e fel daqueles beijos dela.
Delícias.
Mandei-a embora.
E ela virou-me as costas, entregou o rosto ao vento, açoite de frio, açoite de chuva, quem sabe de vergonha também.

“You cannot judge what you don’t understand
Take the blade from the child’s hand
All the petty lies and the jealous whores
Matter little and leave me bored”
Revenge – London After Midnight

“ Você não pode julgar porque não entende
Tome a lâmina da mão da criança
Todas as mentiras bonitinhas e as prostitutas ciumentas
Pouco me importam e me deixam entediado”

segunda-feira, setembro 04, 2006

Certezas incertas

São quatro horas da tarde. Ainda falta meia hora. Sinto minhas mãos suarem. Dá até a impressão que estou fazendo algo errado. Será? Não agüento mais trabalhar nesse lugar, e mesmo assim, tenho a impressão de que estou deixando o escritório na mão. Mas o que tenho a ver com isso? Tudo? Como vou explicar a demissão? E se elas perguntarem o motivo? Tenho de pensar em uma desculpa. Para variar, sempre usando desculpas. Porque não falo na cara que não quero mais trabalhar naquele lugar nojento? Seria antiético? Imoral? Talvez. Olho para o relógio. Quatro e dois. O tempo não passa. Procuro algo para fazer e não pensar no problema. Vou até a copa, me sirvo de um capuccino, enrolo mais um pouco. Volto para a mesa e olho as horas: quatro e oito. E-mails. Deve haver alguns e-mails não lidos. Nada. Volto a pensar no assunto roendo todas as unhas da mão. Se fosse possível, roeria as do pé também. Quatro e vinte. Meu saco parece que vai explodir. Olho para o corredor e vejo-as passando. Minhas chefes. Elas só iriam chegar as quatro e meia! Um calafrio percorre minha espinha enquanto tiro minha bunda mole da cadeira e me dirijo até elas. Não fazem idéia do motivo. Sinto que estou apunhalando-as por trás. Mas fazer o que? É minha vida que está em jogo! O meu bem-estar! Será que elas se preocupam com isso? Duvido. Sigo-as até a sala. Mãos tremendo. Com um sorriso meigo no rosto me passam a palavra. Chego a pensar que seria tudo mais fácil se elas fossem grossas, e desdenhosas. Aí minha culpa desapareceria e eu poderia bater pesado, arremessar um monte de merda pela boca e partir. Mas isso não acontece. Minha voz sai fraca. Quero a demissão. O olhar de ambas é de espanto. Perguntam-me o por quê. Resolvo não mentir. Mas também não falo a verdade. Digo que por motivos pessoais não tenho condições de continuar. Elas perguntam se há algo errado com o pessoal do escritório. Algum problema interno. Digo a verdade. O problema é comigo mesmo. Frase clichê, mas que quase sempre retrata a verdade. Elas assentem com a cabeça e me liberam sem maiores problemas. Saio da sala delas convicto de que fiz o certo. Sorriso no rosto. Fico até mais simpático. Já sei em minha cabeça o que farei na manhã seguinte à saída do escritório. Planos. Trabalho. Está tudo aqui, na minha cabeça. No último dia no escritório desfilo por entre os colegas confiante. Digo que vamos manter contato, mas sei que aquilo é tão verdade quanto as conversas de marcar jantares quando encontramos alguém (bêbados é claro) que não víamos há muito tempo, na noite paulistana. Parto. Minha nova vida começa. Aos poucos novos pensamentos rondam minha cabeça. Será que decidi pelo correto? Penso nos amigos de trabalho. Recordo-me da minha mesa de trabalho. Do capuccino. De repente todas as sensações ruins que sentia enquanto lá trabalhava se esvaem, e passo a pensar apenas nas coisas boas. Não consigo lembrar da parte ruim. Minhas pernas movem-se inquietas. São quatro horas. Será que fiz o correto? Deveria realmente largar aquele trabalho? E se eu fosse promovido? Mais dúvidas. Dúvidas que me levam ao tédio. Tédio este que me leva ao desanimo completo. Não agüento mais esse sofrimento idiota. É isso, vou me matar! Mas peraí, será melhor me enforcar ou ingerir cicuta? Cortar os pulsos ou voar pela janela? Preciso pensar! Que tal uma cerveja na quinta?