segunda-feira, setembro 04, 2006

Certezas incertas

São quatro horas da tarde. Ainda falta meia hora. Sinto minhas mãos suarem. Dá até a impressão que estou fazendo algo errado. Será? Não agüento mais trabalhar nesse lugar, e mesmo assim, tenho a impressão de que estou deixando o escritório na mão. Mas o que tenho a ver com isso? Tudo? Como vou explicar a demissão? E se elas perguntarem o motivo? Tenho de pensar em uma desculpa. Para variar, sempre usando desculpas. Porque não falo na cara que não quero mais trabalhar naquele lugar nojento? Seria antiético? Imoral? Talvez. Olho para o relógio. Quatro e dois. O tempo não passa. Procuro algo para fazer e não pensar no problema. Vou até a copa, me sirvo de um capuccino, enrolo mais um pouco. Volto para a mesa e olho as horas: quatro e oito. E-mails. Deve haver alguns e-mails não lidos. Nada. Volto a pensar no assunto roendo todas as unhas da mão. Se fosse possível, roeria as do pé também. Quatro e vinte. Meu saco parece que vai explodir. Olho para o corredor e vejo-as passando. Minhas chefes. Elas só iriam chegar as quatro e meia! Um calafrio percorre minha espinha enquanto tiro minha bunda mole da cadeira e me dirijo até elas. Não fazem idéia do motivo. Sinto que estou apunhalando-as por trás. Mas fazer o que? É minha vida que está em jogo! O meu bem-estar! Será que elas se preocupam com isso? Duvido. Sigo-as até a sala. Mãos tremendo. Com um sorriso meigo no rosto me passam a palavra. Chego a pensar que seria tudo mais fácil se elas fossem grossas, e desdenhosas. Aí minha culpa desapareceria e eu poderia bater pesado, arremessar um monte de merda pela boca e partir. Mas isso não acontece. Minha voz sai fraca. Quero a demissão. O olhar de ambas é de espanto. Perguntam-me o por quê. Resolvo não mentir. Mas também não falo a verdade. Digo que por motivos pessoais não tenho condições de continuar. Elas perguntam se há algo errado com o pessoal do escritório. Algum problema interno. Digo a verdade. O problema é comigo mesmo. Frase clichê, mas que quase sempre retrata a verdade. Elas assentem com a cabeça e me liberam sem maiores problemas. Saio da sala delas convicto de que fiz o certo. Sorriso no rosto. Fico até mais simpático. Já sei em minha cabeça o que farei na manhã seguinte à saída do escritório. Planos. Trabalho. Está tudo aqui, na minha cabeça. No último dia no escritório desfilo por entre os colegas confiante. Digo que vamos manter contato, mas sei que aquilo é tão verdade quanto as conversas de marcar jantares quando encontramos alguém (bêbados é claro) que não víamos há muito tempo, na noite paulistana. Parto. Minha nova vida começa. Aos poucos novos pensamentos rondam minha cabeça. Será que decidi pelo correto? Penso nos amigos de trabalho. Recordo-me da minha mesa de trabalho. Do capuccino. De repente todas as sensações ruins que sentia enquanto lá trabalhava se esvaem, e passo a pensar apenas nas coisas boas. Não consigo lembrar da parte ruim. Minhas pernas movem-se inquietas. São quatro horas. Será que fiz o correto? Deveria realmente largar aquele trabalho? E se eu fosse promovido? Mais dúvidas. Dúvidas que me levam ao tédio. Tédio este que me leva ao desanimo completo. Não agüento mais esse sofrimento idiota. É isso, vou me matar! Mas peraí, será melhor me enforcar ou ingerir cicuta? Cortar os pulsos ou voar pela janela? Preciso pensar! Que tal uma cerveja na quinta?

5 Comments:

At 6:57 AM, Blogger Roberta Nunes said...

Lógico que muitos irão se identificar...
Adorei, Fernando.
beijão
Ro

 
At 8:19 AM, Anonymous Anônimo said...

Caralho, Fe.....vc escreveu pensando em mim???hauhaauahua
abs
rods

 
At 10:00 AM, Anonymous Anônimo said...

Uma angústia viva no encalço das escolhas, a coragem é sempre um fator primordial.
Por onde ir? Há tempo certo? Talvez, mas quase nunca é o nosso, mero detalhe.
Bateu aqui certa aflição das escolhas nossas de cada minuto.
Beijo, Fernando.
Leilalopes
(www.leiluka.fotoblog.uol.com.br/
www.focando.jor.br)

 
At 10:11 AM, Anonymous Anônimo said...

Muito boa crônica. Retrata bem as duvidas da vida.

[]s,
Rácz

 
At 6:33 AM, Anonymous Anônimo said...

gostei

 

Postar um comentário

<< Home