domingo, novembro 12, 2006

URBANOS - parte 3.


Saio como um elefante esbaforido da cama.
Os sonhos com assassinatos me cercam como corvos cercam um elefante magro e acalorado. Ao lado do quarto, a piscina do hotel iluminada joga luzes que tremem na parede e o perfume da violência é apenas uma flor de infância hoje.
Acendo um cigarro, trago com os pés descalços e não me justifico. Não há motivo para isso. Que tipo de ganho espero obter ? Nenhum. Uma existência de caule, um vento piscina de vela perene, a bem dizer com óleo de arma esfregada no pavio.
- Olhar o olho através do óleo.
Digo em voz alta e não tenho raiva da fumaça nem do quarto.
Preciso da água da piscina como se não desejasse nada, fora estar ausente da circunferância dolorosa daquela mulher que vive em mim, nas fotos que tenho dela, as que agora, depois enxugo, jogo na piscina, enquanto, deixando a porta de madeira aberta, deixo o vapor da sauna invadir a suíte.
Uma fotografia mostra, qualquer uma, um rosto que não é mais, e que nunca foi, completa, observo os detalhes, quadros, drinques, enganos de objetos escrotos e neles sou alguém não mais debilitado, porém sereno como uma rachadura, insensível como uma cicatriz em si, uma história para não me orgulhar, os pés descalços e o telefone sem fio na mão, pressionado contra o ouvido:
- Onde você está ?
- Viajando.
- Eu sei disso. Mas...
- Saudades, por isso liguei e também por estar bem.
- ...
- ...
- Fale.
- Não me peça.
- Você está estranho. Naquele tipo de calma que me assusta e atrai. Não está com outra, é ?
- É o que ?
- Outra.
- Sempre a mesma.
- Eu ?
- Não. Você é de verdade. Eu posso falar com você. Eu falo da mentira. Ela que não está comigo e por isso mesmo é minha companheira de sempre. Por isso ela me cansa. Posso passar dias ao lado de você, ao teu lado, digo assim, mas como a Mentira é a oficial, ela me entedia. Já foi minha namorada, amante e se desejou esposa, desposei, agora eu a reflito e mergulho em água, e a vejo atrás do vapor, ela canta em coro de tantas e tantos que me esvaziam. Eu faço meu trabalho e me preencho e então eu me sinto muito bem como você, se quer chamar isso de amor.
- Não gosto de não saber exatamente do seu trabalho. Existem os livros e as outras coisas visíveis, mas agora mesmo, onde você está ?
- Longe. Depois do banho, subirei até o último andar e vou tomar um drinque. Se o pianista permitir, tocar uma canção de momento e murmúrio.
- Você nunca tocou para mim.
- Quando estou com você, estou comigo. Não perco tempo tocando piano e sendo uma má pessoa, prefiro ver as nuvens como traços pela janela de suas cortinas leves, voadoras, e você deitada em meu peito, suas mãos em carinho acariciando meu carinho arrepio, e o arrepio acaba indo embora com o sono alegre, uma duna se desfaz sobre um calo que também vai junto, levando imagens e fotografias, se vai a rouquidão, fecho os olhos de globo florido com óleos tortos, a objetiva e o diafragma, o zoom e a lente, tudo separa-se em partes e assim, deixa de fazer sentido, me acalmo e não sinto culpa, o suspeito se torna virtuoso, auspicioso...
- Quando você fala estranho assim eu não gosto, mas sinto algo como sendo meu, e íntimo, quer dizer, você não é de falar assim com todos. Você disse que um dia termina o que precisa fazer, então fico com medo da santidade sua.
- Que eu fale assim com todos e todos sejam como você é pra mim ?
- Isso, baby.
- Quando isso acontecer, quando essa pompa de frases for apenas um esquecimento, e a vida, real, pararei de falar.
- Porra...fala uma sacanagem pra mim. Vai. Como acontece quando...
- Agora vou nadar. Depois um drinque, depois não sei.
- Medo.
- Você é linda.
Desligo.
Me enxugo, visto roupas brancas, mocassins e óculos escuros.
O paletó de algodão leve, finge esconder a arma.
Estou calmo e não tenho mais sombra do sangue alheio de mesmo outro dia.
Acho que vou comer peixe com legumes ao vapor.
Chamo o elevador e vou em direção ao alto, de onde, obviamente agora, vem o som da música...

[ continua quinta-feira e /ou domingo ]

º

7 Comments:

At 12:27 PM, Anonymous Anônimo said...

Enfim me rendo ..por um momento
assim lasciva ..me rendo

e preciso de um tempo ...
naum comento
vou te vendo, te descobrindo
redescobrindo
intacto!
a análise deverá ser instantanea
então pura..tirarei
o desagradável, o impuro!
volto.....

 
At 12:27 PM, Anonymous Anônimo said...

Enfim me rendo ..por um momento
assim lasciva ..me rendo

e preciso de um tempo ...
naum comento
vou te vendo, te descobrindo
redescobrindo
intacto!
a análise deverá ser instantanea
então pura..tirarei
o desagradável, o impuro!
volto.....

 
At 5:25 PM, Anonymous Anônimo said...

me aventuro a rebuscar parte de teu verbete ..(ordens tuas)

Abri, li, voltei...e morei no texto!
Em rosa, vejo; a palma aberta, pétalas rosáceas iguais.Cor da harmonia. O bicho elefante dócil, un tanto garbo, diz: inteligência. soberana mater!
Claro sentimento de perda ransfigurando-se em luzes, óleo, fumaça, água e ..no enxugar solitário!
Loura cor na liquidez piscinal em sol..
Rosto enquadrado em foto:enganoso, inexiste! Já o perceber dos objetos diz: o real, o medo querendo firmar-se. A culpa transitória rindo desdentada nd diz.
Viajo por trecho obscuro, mas, vencido.É o vigor saudável (não debilitante...), o serenar, a aceitação descoberta!
Quase tropeço na linda humildade, nos pés descalços!(AMEI AQUI!)
OPS!Vida.O real! A voz telefonêmica veio desencantar do sonho, do sono ..lembrar!
paulo(com p minúsculo, quero assim!)enfio a mão em tuas entranhas, arranco sem dó o escroto (tinha um restinho..rs)
Esfacelamento do poder falso, a quebra perfeita!Pedacinhos perdidos na fumaça(o cigarro)no vapor(a sauna)fogem da claridade...
O ponto crítico! A catarse!O climax do grande estásimo!endeitam-se na mudança, no relutante desejo de mergulhar na piscina morna, azul e amarelada pelo sol.
Água, vida, movimento, limpeza! O despertar!
Preciso lembrar antes de uma sombra...percebida no texto um pouco acima. Sombra benéfica, porém.No meio da mentira, o trabalho! A corda salvadora!O alimento! bem ..Maktub!Você escreveu..
Penso no lindo mergulho ensaiando-se...para mim, paulo, um dos pontos fundamentais da narrativa, senão o mais belo (sou feiticera e leio o que não mostras...rs)
Esse mergulho, paulo, me diz ser: um retorno à placenta da barriga onde o personagem se preparou.Ali expurgará toda a culpa e renascerá. Um gesto que evidencia uma transformação..
Sinto num momento gotas num corpo molhado? No enxugar-se, o real contato com o mundo. E um drinque relacha, inebria, expia a culpa. Será? Passei por muitas cores até então! O nosso homem trasveste-se de branco, sem fantasias, numa trama de algodão puro. A fantasia, só camuflada em escuros óculos do nosso já herói?
Mas a cor que salta malandra, se faz vergonha, se faz pecado. Vermelha do sangue alheio!É só o sangue alheio, paulo.Não o nosso!
Guardei cores em teu texto.Pois que vivam!
Por fim, o desenlace malfadado,no entanto, curioso e inteligente.
Comer peixe com legumes..isso veio me sussurrar: LEVEZA!
Molhar a língua com a carne não!Instiga pro sensual, pro sexual..
E mais, triunfal serenidade...aquele desejo de elevar-se, subir, soltar-se até ficar surdo! Elevador que os pés obedecem.
Lá no alto? A música que ensaia novos passos. A perpetuação da mentira. A surdez da vida que também não enxerga. Tudo e todos tão insignificantes lá embaixo!
O soltar-se puro engasga!

Paulo(esse com p maiúsculo)não me queira mal...sou assim, eu.
Te adoro.Beijoss
Lindaure kw

 
At 5:33 PM, Anonymous Anônimo said...

volto para me corrigir:
onde se lê ransfigurando-se, leia-se:transfigurando-se.
e onde digitei endeitam-se..leia-se:enfeitam-se.

Agradeço compreensão.
e espero
um olharzinho...

 
At 4:50 AM, Blogger Leila Andrade said...

de extrema complexidade esta mente...
bjs

 
At 10:18 AM, Blogger Viviane said...

Gostei. Gosto de textos que fazem o leitor descobrir gradativamente o que está acontecendo.
Espero ansiosa a continuação.

Um abraço.

 
At 4:03 PM, Anonymous Anônimo said...

Aguardo resignadamente uma continuidade ...Da obra.
É pedir muito?
beijo
linn

 

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