quarta-feira, outubro 25, 2006

Navalha na garganta - O começo...

Olho no relógio. 23:37. Minhas mãos ainda tremem. Passo o olho ao redor do quarto sentindo aquele cheiro inconfundível de mofo. Uma mistura de coisa úmida com coisa velha. Carpete ‘’vintage’’ puído e sujo. Móveis antigos de madeira maciça. Não se fazem mais móveis como antes. Continuo ali sentado ao pé da cama curtindo aquele momento, quando uma imagem invade minha mente. 1986. Foi ali que tudo começou.
Eu era muito jovem ainda. Aspirante a escritor. Tinha meus 25 anos na época e achei que tinha talento. Nada a ver. Textos medíocres, três livros escritos. Não tive sequer coragem para encaminha-los às editoras. Não lembro de deixar ninguém lê-los também. Foda-se. Lembro que estava num bar com alguns amigos - se é que realmente eram amigos – quando eu a vi. Linda, morena de olhos claros, decote sensual mostrando parte de seus maravilhosos peitos que cabiam num par de mãos. Não tinha mais do que 18 anos. E eu me apaixonei.
Retorno de meus devaneios e vou até o banheiro. Respiro profundamente e abro a torneira. Minhas mãos param de tremer e começo a enxágua-las. Sobre a bancada um monte de tralhas. Escovas, perfumes, desodorante, brilho, esmaltes. Mulher adora se arrumar não? Um bando de mocréias, loucas para atrair nossa atenção e dar pro primeiro a quem se interessar. E não é difícil seduzi-las. Todo mundo diz que elas são as donas do jogo, que o homem faz o que a mulher quer, mas eu aprendi que isso é pura idiotice. Funciona apenas com os fracos e os tímidos. Eu os chamo de bunda-moles. Encontro uma pasta de dentes e a escova e faço um pouco de higiene bucal. Enxáguo a boca, me enxugo na toalha ainda molhada, olho para o espelho e reparo com a pessoa que me tornei. A cicatriz ao lado esquerdo do meu rosto é profunda, mas me orgulho dela. É como se fosse um troféu para mim. Ali, pela primeira vez, me senti alguém de verdade e não um frouxo. Com um belo sorriso no rosto saio do banheiro e me dirijo ao criado mudo. Está na hora de sair deste hotelzinho de quinta. Estou me sentindo tão bem que até me simpatizo com ele. Ponho a camisa e o sapato, e coloco meu relógio de pulso. 2:20. O tempo passa rápido enquanto estamos nos divertindo. Dirijo-me à porta sem antes, claro, buscar minha navalha. Abaixo próximo ao corpo para pegá-la e olho novamente para aqueles olhos sem vida. Garganta cortada de forma soberba, sem tempo para um último grito ou suspiro. Ela está linda. De sutiã e cinta-liga, boca aberta como se esperasse um beijo. Prefiro ela assim do que quando falava sem parar, me deixando maluco. Voz esganiçada, dependente e como se eu não soubesse, querendo chupinhar meu dinheiro. Mas não vai. Não mais. É como todas as outras que conheci. Todas menos uma. Não quero voltar nisso agora, mas é inevitável não lembrar dela naquele bar. Seu olho intimidador e ao mesmo tempo convidativo. Lorena. Graças a você me tornei o homem que sou hoje. Por isso te amo. E te odeio.

5 Comments:

At 10:30 AM, Blogger Roberta Nunes said...

uia!
e depois eu é que sou violenta...rs
belo texto.
beijão
Ro

 
At 12:22 PM, Anonymous Anônimo said...

1a das crônicas do Navalha?!?
Continua, continua...

 
At 1:37 PM, Anonymous Anônimo said...

Uia! Agora sim!
prabens folho!

 
At 9:51 AM, Anonymous Anônimo said...

Tah ficando profisso hein Fefo!!!

 
At 6:33 PM, Anonymous Anônimo said...

Adorei... Tá aí um lado seu que não conhecia... rs.
Bjs

 

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