sexta-feira, novembro 03, 2006

A Visita ou Quando fazemos coisas que poderíamos ter evitado ou A gente é que sabe quanto a gente calça


Eu ia escrever uma coisa bem bonita, uma coisa de filme de Peter Pan, uma coisa final com argumento e contra-argumento já embutido feito lingüiça, à perfeição. Eu ia me desculpar. Eu ia sinceramente me desculpar por um crime que não cometi e cometi. Ele veio aqui, visitar a si mesmo, matar sua saudade de ser o que quer que seja que ele possa parecer por essas paragens, ele veio visitar um texto, um reflexo, um oceano, uma multidão de personagens saídos da lenda própria, ele avisou que vinha e eu, habitante, nativa, tranquei-me, tratei de fazer o ritual da clausura do escritório, da proscrição de ar-condicionado, do rodapé da falta de tempo. Cheia de ciência e arte, arruinei a educação de fundo português que recebi e toda a Lusitânia antepassada mal passada quer ver minha caveira. Eu ia escrever para me auto-execrar, para dizer “que amargo isso aí que eu cometi - essa falta toda, essa triste não-história”, é. Ia. Eu aprendi tem pouco tempo, vergonha isso, aprendi tem bem pouco tempo que desculpa, desculpa... Desculpa, mas desculpa não existe. Existe vontade. Pode ser muita, pode ser pouca, pode ser nenhuma. O meu trabalho exerceu uma grande e imensa vontade sobre meus sentidos, por isso nem tive forças para discar o número. Nem. Alguém me arrume vontade. Dinheiro também serve.

(originalmente publicado em: 04/08/2005, no meu antigo blog, cujo endereço deve permanecer no mais absoluto sigilo)

5 Comments:

At 5:27 PM, Anonymous Anônimo said...

Não acredito em desculpas, por mais que tenha pedido tantas vezes, tantass vezes, tantas x tantas... desculpa, ok?
É o mesmo que dormir com a perna da boneca partida e achar que com cola resolve tudo. Não resolve. A cola ou endurece a perna para sempre ou não gruda o suficiente e tudo fica absolutamente irredutível ou frouxo demais para ser o mesmo.

Beijos

Jana

 
At 7:07 PM, Anonymous Anônimo said...

Belo texto...

 
At 7:16 PM, Blogger Leila Andrade said...

de ontem ou não, o problema é que me levou a uma história e me fez chorar...
deve ser a hora da noite, deve ser.
meubj.

 
At 7:27 PM, Blogger Carol Custodio said...

Leila, é a hora da noite mesmo. Mas, às vezes, a hora da noite na gente não cessa. Só quer aventura. Beijos!

 
At 4:08 AM, Blogger Héber Sales said...

Poxa Carol, que instigante. Visitei teu texto e fui metralhado por reflexos: a literatura-desculpa, o escrever-expiação, a angústia da influência, a obsessão, "da serventia das idéias fixas".
Esta frase aí é do João Cabral de Melo Neto comentando "Uma Faca Só Lâmina" (Lindo!). Olha que legal: "falo da vantagem de se viver uma obsessão, não importa qual [...] A pessoa torna-se mais lúcida, mais criativa, mais capaz, se tem uma obsessão".
Curiosidade sobre a obsessão de que fala no poema: "[...] é um poema sobre obsessão. Mas não a obsessão metafísica [...] É minha prima mesmo, uma moça linda que não quis dar para mim. Ela é a razão do poema. É um poema de amor".
Esse teu texto, Carol, esse teu texto é o dos meus preferidos, viu?
Bjo.

 

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