quinta-feira, outubro 26, 2006

URBANOS - parte 2.

( ver parte 1 - quinta - 19/10/06 )


Eu tinha fotos.
Fotos dela.
E fotos minhas em algum lugar.
Com alguém. Um cara.
O fato de ter uma cara única desde cedo me trouxera dificuldade e solução para a mesma.
Ser personagem de si próprio. Navegar entre todos os meios, os intelectuais de meus livros, os baixos de minha grana, os baixíssimos de meu prazer. Mais que isso, não encontra palavra. Apenas a lentidão de imagens misturadas no embaçamento cinza, gorduroso, que dizem que fica na cabeça.
Você sente o pensamento na cabeça ?
Onde está seu pensamento.
Quem foi que disse - desespero - que não está na porra do seu dedão do pé ?
Falo comigo mesmo e olho o espelho. Tudo culpa do olho, da orelha, do nariz.
A maioria dos sentidos está na cabeça.
Erro de confundir percepção com juízo de realidade.
Alucinação não é delírio.
Delírio é literatura.
Alucinação é fotografia.
Coloco as lentes sobre as íris.
Troco os brincos.
Passo o óleo chicano na pele. Ou Raito Del Sol, bom nome.
Essa tesoura foi do meu avô. Corto os pêlos das narinas.
O nariz que é um problema.
Rir sozinho num quarto de hotel, no fundo, a TV, piscando um especial sobre Pablo Picasso: faz tempo, eu tinha medo do destino envolvido nisso. De qualquer destino. Gargalhar em um fedorento quarto de hotel, enquanto preparo a tintura negra para os cabelos.

º

Mas e se o cara tem o dedo do pé amputado e continua pensando ?
Quem diz que ele continua pensando ? Quem diz um monte de coisa ?
Ok. Que o pensamento fique no fígado então.
No caralho, como pensam as feministas mais sinceras.
Um carro passa por mim, em direção ao apartamento de Val e diminiu a velocidade.
Fotografa.
Os óculos escuros ray-ban servem pra isso: ver com o canto dos olhos.
Espero ter saído bem.
O prédio de Val é de cinco andares, um porteiro velho, um bar em frente, lotado de bebuns.
No banheiro do bar, tiro a peruca com a minha cor original, um marrom sem graça de papai. Nunca conheci a tonalidade real dos cabelos de mamãe. Troco de óculos, após colocar as lentes mais uma vez sobre as íris. E todo procedimento, incluindo virar a sacola do avesso e a barriga de pena.
De dar pena. Malditos trocadilhos. Escrever te deixa com isso, nunca sabe quando o que fala, som, voz, é adequado ou não. Nunca fui mesmo de falar. Mas de pensar. Um calo no dedão. Um calo na vida de tantos. Será que Val se lembra de mim ? Ela será mais que um teste. Ela conhece a ela que me interessa. Conhece, amém.
Peço uma pinga, me vejo trasfigurado no balcão metálico, me vejo assustador no arrepio dos parceiros de cachaça barata. Na casca de uma barata correndo. No meu passo barulhento em direção ao prédio.
- Quem é ?
Val continua com a voz de puta fina, mesmo decadente. Pelo interfone, mais metálica, mais excitante que a provável realidade.
- Eu te telefonei, Valquíria.
- Pedro ? O repórter ?
Várias profissões. No mundo sem profundida, fácil enganar.
- Isso, Val...Valquíria.
- Abriu ?
- Obviemente.
- Como ?
- ...
- Suba, Pedro, por favor.
Esses elevadores antigos ficam bem em um bairro como Higienópolis. Decadência simulada em coluna social.
Me abriu a porta a mesma mulher de antes. Loira, nada fatal. Cara de bobinha. Mas eu vi o que essa idiota é capaz de fazer com um cara no rabo e uma dona esfregando o grelo na boquinha sorridente.
- Pedro, com licença, isso, vou fechar a porta. Muito doido hoje em dia, né ? Qual é mesmo seu jornal ?
- O Correio da...
- Ótimo ! Bebe algo ?
- Não, não bebo.
- Ah, que isso ?
Tiro os óculos e olho bem na mediocridade furada e visual dela. Claro que pensa em um flerte. O marido apóia a sacanagem. Só pede que tudo seja filmado e , claro, fotografado. Um clubinho e tanto. Sites de sexo caseiro para elite divulga isso. Foi assim que a mulher os conheceu. E que eu os conheci. Nos vimos três vezes. Uma com sexo. O bastante pra ela se lembrar de mim. De como sou doce. De como fui doce. Fazer amor. Isso que fiz.
- Beber estraga o fígado, o pensamento.
- Sei.
- O coração também. As emoções.
- É. Deve ser.
- Posso sentar ?
- Você me lembra alguém. Do passado.
- Quem ?
- ...
- Quem, Valquíria ?
- Olhos...boca...nariz...
- Diga.
-...nariz...não. Boca mais nariz...quem te fez essa cicatriz ?
- Me machuquei com sete anos de idade.
- Machucaram você, Pedro ? Quer se sentar, querido ?
- Estamos bem em pé.
Telefone.
Gelo.
A foto.
O carro devagar.
- Alô...quem ?....imagine....não !...estou com um repórter da...
- Caras.
- ....da Vougue...sim, baba baby baba...ahahahaha....também te amo...psiu...pára....quando?....traga o seu novo....eu também te amo...Beijos, querida.
- Quem era ?
- Coisa minha.
- Quero conhecer coisa tua. Tua vida. Por isso vim.
- Nem tudo é publicável, querido.
Vários perfumes: Suor, Paloma Picasso, buceta atrás do vestidinho leve, riponga.
- Eu aceito um uísque...
- Que ótimo. Boa pedida. Não sei quem é pior...quem nunca bebeu, ou quem se afastou do "vício".
Pronúncia com desdém.
- Como assim ?
- Sei lá porque falei disso. Senta. Agora senta. Está cansadinho. Vou buscar o gelo.
Gelo. Calor. Suor. Xoxota. Verão fora de época. Quero um cigarro. Agora não.
Quando ela se vira já não se vira.
Eu a levanto apoiando a xeca aberta em meu antebraço direito.
Ela bate a cabeça no azulejo encardido da cozinha e solta uma risadinha.
Em nosso clubinho, gostamos de umas porradas.
Antes eu gostava de ser gentil.
Abaixo a cabeça de Val de encontro a pia e atolo dois, três dedos naquela racha, ela parece estar calma, atolo mais, quatro dedos, por pouco não vai o pulso. Por um relógio. Odeio relógios, mas os personagens usam.
Ela começa a gemer, finalmente.
- Espere, espere...preciso pegar a câmera...
- Onde está ?
- Ai...assim dói...
Dou um tapa na bunda.
Depois um soco no coccíx.
- Uau...você é ....muito bom....Pedro....
- Onde no quarto ?
- Vou pegar...
- Putinha...eu mando em você, vagabunda, chupadora de pau de caboclo !
- Manda ?
Um tubo de mostarda logo ali, pano de prato com a data de 1979.
Tubo de mostarda com uma bela cuspida, tubo no cu.
- Aiiiiiiiiiiiiiiiiiii !
- A câmera, vaca, lésbica, escrota, vou, vou....
- ....ai....o que ? Hein....cavalo...mete a pica ...vai ...cadê esse pauzinho ?
Isso estava cansando a hombridade.
- Na gaveta ? No guarda-roupa...?
- Ai, esquece e mete...que pegada boa !
Esquece e mete ?
O que fazer quando um plano toma um desvio ?
E você não conhece exatamente a estrada.
Mas tem algumas pistas ?
Como uma boa assim: No quarto.
Hum ?
- Segura.
Mantendo o tudo atolado naquele rabo, meti o pau naquela bucela. Ela lambia o buraco da torneira aberta. Cuspia pro alto. Babava. Se mexia como uma demônia de carnaval clichê.
Ela tentou controlar o ritmo da foda.
Isso não é bem-visto em alguns meios sociais.
Um tapa no ouvido dela e algum deseqüíbrio, outro tapa, engasga e vomita.
E tem um ataque.
Um ataque. Mamãe. Papai. Que porra.
De riso.
Um ataque de riso.
Enfim, você se perde em uma estrada com uma boa pista e o seu dedão do pé está lá, apesar do calo.
Mas tem que fazer o que gosta.
E se tem algo que eu goste é de satisfazer os desejos íntimos de uma cadela. Ainda mais se essa cadela for amiga e chupadora da...mulher.
- Vou gozar, vagabunda, olha pra mim, vou esporrar na sua cara...
- Ah, tá.
E se vira sem muita vontade.
Esporro.
Ela finge caras e a boca de uma atriz pornô básica.
Mas ela não é básico.
Não em nosso clubinho de imagens e tendências estranhas assumidas nas festas e cocaínas do SP Fashoin Week.
- Toma a porra...
- Hum...oh...yes....
Língua quase sinceramente nervosinha.
- E toma a morte.
- O que ? - olhos arregalados. Quase emotivos.
Dou um soco no queixo.
Ela se dobra.
Chuto na altura do útero.
Me ajoelho ao lado dela.
- Vai pensando em mim, vai pensando na Mulher....lembra....uma chácara....tá lembrando....?....festada Kodak......lembra, vaca, corna, puta ??!!!
- AHUFHHHH.....
- Engole esses dentes. Porra, vou te matar, Val.
- FALLLL ???
- Lembrou...que bom.
- Xoco...XOCORRRROOOOEERRGHHH....
-MORRA.....MORRA...MORRA...MORRA..MORRAMORRAMORRAMORRA !
Sangue e porra.
Puxa.
Que vontade represada por todos esses anos !
Certas coisas não se conta pro analista.
Certos personagens.
Certas fotos.
Delírios e alucinações.
Corro pro quarto. Não demoro nenhum suspense pra achar a sacola com a câmera digital. Novos tempos. Pequena, flexível. E todos os cartões de memória que consigo ver, passo pra minha sacola. Uma troca rápida.
Passo por Val estendida na cozinha. O gelo em água quente. Calculo o tempo em pressa. Ela ainda geme. É um orgasmo. Piso na meleca que sai da cabeça dela. Ligações neurológicas: ela estrebucha. E fica quieta, depois de anos. Graças !

Eu sei que entre um monte de bobagem pseudo-sórdida, vou ver o que me interessa e interessa muita gente. Fotos e filmes animados. Dela. De festas. Dela. De abortos. Dela. De chapações. Dela. DELA.
Da mulher.
Passo ao lado do carro. Jaqueta fechada, barriga de pena saliente.
Olho bem para o cara.
Eu o reconheço. Um fotógrafo de baixo nível do nosso grupo. Um jegue pra fodas e servicinhos.
Estou sendo substimado.
Ele não me reconhece.
Sorrio:
- Bom dia.
- Bom dia.
E ando com a calma de um gozo.
Tenho que ver esses cartões de memória.
E comprar, antes de tudo,
um maço de cigarros.


( Continua. Próximo domingo e/ou quinta-feira. )

ºººººººº
-

17 Comments:

At 4:29 PM, Anonymous Anônimo said...

paulo,

escrito com sua marca: marca do zorro! seisei, samurai do verbo!
cara, dedo torto... porrada é phodda mesmo.
e doido varrido do cor -

ação!!!

velho, lutar contra a birita é a saída pra mim.

beijoprocê irmão!!!


se cuide e saúde!!!!

 
At 5:41 PM, Blogger Pedro Leão said...

Às vezes, quando você escreve, leio duas pessoas escrevendo. É estranho, mas é uma coisa muito sua: como se você pegasse uma deixa sua e respondesse pra si mesmo com uma tirada inspirada. Fica esse diálogo de você com você mesmo, como se desse pra ouvir a tua consciência jorrando esse fluxo contínuo de pensamentos.

Do caralho grande e pulsante!

 
At 5:43 PM, Anonymous Anônimo said...

Paulo,me lembrou o PSICOPATA AMERICANO.
Assistiu?
Mucho loko!

Vc é phoda.
E doido.

Quero morre sua amiga..huauhauahuaahauahuahauahauahuahauuau!!!

bejão/lindo!

 
At 6:02 PM, Blogger Nana Magalhães said...

nossa, paulo...
CHOCADA! rs.

muito bom!
beijos.

 
At 6:17 PM, Anonymous Anônimo said...

eh como eu jah disse vc jah sbe o q penso disso..
não gosto mto o jeito q vc fla..mas se vc gosta neh isso q importa...

bjsss

 
At 6:26 PM, Anonymous Anônimo said...

ahh e tbm naum gostei do filme...
rs.

 
At 6:57 PM, Anonymous Anônimo said...

Adorei!!!
Gosto da forma como fala e já te disse isso, no mesmo tempo que é vulgar torna-se sedutor e te excita a ler mais...
E de uns meses pra cá, não tenho usado muito a cabeça, o fígado nem o dedão do pé,estou fazendo uso de outro sentido(se é que vc me entende.rssss)
Bom Baby parabéns pelas longas e deliciosas linhas, espero que nunca perca essa digamos..."sagacidade", não sei se essa é bem a palavra mas combinou com meu pensamento.rsrs
Beijos!!

 
At 7:18 PM, Anonymous Anônimo said...

COMO GOSTAS DE UM "P", MEU CARO.
ME FEZ LEMBRAR QUE:
PRECISO. PICA, PAZ, PORRA (EM TODOS OS SENTIDOS: P/ SORVER E P/ ESBRAVEJAR, DEPENDE DA MARÉ)
MORAL PARA COMENTAR?
NÃO NO MEU CASO E NÃO REFERINDO-SE À TEXTO TÃO LUXURIOSAMENTE ARQUITETADO. ESTA PALAVRA NÃO EXISTE? QUE BOM: NEOLOGISMO, A LÍNGUA PORTUGUESA É RICA.
LO VÉS?
PEDRO ONDE CÊ VAI EU TALVEZ JÁ TENHA IDO...E RETORNADO VÁRIAS VEZES.
NÃO SINTA DÓ, DESTA VEZ ME PRENDI MAIS AO TEXTO.
BISOUS

 
At 7:39 PM, Anonymous Anônimo said...

Os dois textos são sofisticados e o "Não ter dó" é a essência. Há um salto, explosão, vísceras e o personagem cresce, chuta, consiste. Acho que não é novidade, né? Gostaria de ler o resto. Beijos!

 
At 8:32 PM, Anonymous Anônimo said...

Sr.perverso Paulo Castro: vc me deixou com tesão, tenho e anos de análise. Devo continuar? Foda-se o idiota babão. Vc deve continuar. Posso te escrever em particular?
Lembra de mim?
Uma palavra:joelhos.
Tirada de uma fala sua.
Quem é vc de verdade?

te amo, sempre amei.

não pare.

beijos.

A.

 
At 12:19 AM, Anonymous Anônimo said...

A vagabunda mereceu.
Onde já se viu se esquecer do nome do jornal?!?!?
Pior, achar que a Vogue é mais importante que você!!!
Mas a gota d'água foram as 'caras e bocas', falta de originalidade merece pena capital.
Uma a menos.
E ainda rendeu um suspeito habitual e, o principal, a eliminação de provas que te relacionem ao corpo dela (Clinton não teve esta precaução, como Kenedy, e o DNA lhe trouxe problemas).

Bom trabalho!
Psicopatas são os pequenos-burgueses que só usam mostarda no hot-dog. (o tubo era liso ou sinuoso?)
Passe as imagens no Fotoshop (decepe algumas cabeças por segurança) e divulgue o conteúdo do dossiê depravado fetichista.
Se for vender, não negocie com o PT. (eles são péssimos neste tipo de operação)
Mate mais!!! (essa mistura de fisting com porrada deu tesão!!!)(mas sou voyeur!!!)

 
At 3:34 AM, Blogger Gata Guu said...

Apenas para dizer que li.

Desaprendi a comentar.

Estou desaprendendo um monte de coisas!

Beijo,

Adilma

 
At 4:51 AM, Anonymous Anônimo said...

foco:olhar feminino de um macho...
detalhes que só um gay fashion percebe...glamour...vogue...elevador antigo que respira velhos tempos de luxo!!!bairro judeu...sonho de consumo paulistano anos 70...imagino val...turbante de tecido dourado...uma peruca maravilhosa e cheirando a naftalina...depois a trepada...ui...
que boa treapada!

 
At 8:18 AM, Anonymous Anônimo said...

Paulo:que tesão,hombre!!!!

hihihihihihihi...

ai,se eu pudesse.......

beijos no pindola.

R.

 
At 9:07 AM, Anonymous Anônimo said...

Nussa, vc eh o escritor mais maluco que já vi.
Alguém chama a polícia.

virge.

 
At 5:49 PM, Blogger Carol Custodio said...

é, a gente tem que enviar isso para lynch e subordinados. a gente tem que ir pra tokio pensar qual é a do queijo de lá e daquele bolinho de feijão doce nojento e respirar aquele ar salgado e não saber falar - a gente tem que ir pra tokio fazer simulação de ignorância e voltar a ser ermo. parar de gastar a emoção. quando ela para no chao frio eu fiquei sem emoção. robert de niro entrando no carro, devidamente subestimado, o riso cínico de quem quer a emoção pro mundo, e não pra si. viva tókio soccer team e as coisas equilibradas sobre o nariz.

 
At 5:45 PM, Blogger Paulão Fardadão Cheio de Bala said...

Eu ainda prefiro seus textos de misticices, mas os de putaria vão bem tbm.

Se tiverem o acompanhamento certo...

 

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