quinta-feira, setembro 28, 2006

Ele não existe...ou BLUE BELLE.




Ele nunca existiu, apenas eu. Na verdade, existiu de forma muito branda, sutil. Eu o conheci na faculdade de artes cênicas, um ator medíocre, como muitos já viram, charlatão. Desprezível, era. Fazia uma matéria lá, achei tão bonitinho, acreditava que seus colegas eram monstros insensíveis, ele não, era gente boa. A tolice é bela. Uma sucessão de coincidências insistiu de me colocar no caminho dele tantas e tantas vezes. Achava que era escritor. Eu li seus cadernos de colegial, suas folhas datilografadas. Sentimentalismo puro, com toques de contra-cultura importada, pior, mal copiada. Quer copiar ? Faça-o direito. Assim fui a professora, a musa, estou na álbum de casamento ( tem um "X" em caneta bic, que ele , covarde, diz ter sido feito pela filha ainda pequena...corre apagar....rs....),escrava e mestra. Grande dificuldade para a leveza, tive que ensiná-lo a esquecer a culpa, sempre que algo de errado acontecia, colocava a sensação de angústia em Deus. Irritante. Eu o levava para noite e ensinava coisas. Como seduzir a primeira mulher. Entendam a história dele e irão entender minha presença. Senti-la. Tenta me afastar agora com incenso de Guiné. E truques de Alma Magia Negra. Que eu mesma ensinei e o mantive como neófito. Quantas vezes teve que interromper uma reunião ainda na época do Partido, quantas vezes não fechou os olhos no momento do gozo, quantas vezes foi pego com a alma perdida no teto ? Como aprendeu tanta coisa em tão pouco tempo? Tantos livros. Isso é possível em apenas uma existência? Pense bem. Quando fingia errar o caminho até o grelo, apenas para deixar que as mulheres lhe ensinassem algo. E aprendia rápido demais. O ciúmes não existe quando se trata de um projeto grandioso. Ele foi esse meu projeto. Eu revisei seu primeiro livro, que seria um estrondoso sucesso, se não fosse a intervenção autoritária de um "amigo" dramático. Mas mesmo assim, lá estou eu. Procure bem. E como ele tem tantos contatos? Como sabe exatamente onde está quem deseja encontrar? Nos vimos, antes de ele aceitar a rendição, pela última vez quando começou a trabalhar no jornal em que tenho uma função importante. Me pediu que contasse a melhor trepada da minha vida. Taradinho, um fofo. Contei o que Pedro fizera comigo sobre a mesa de bilhar. No cu. A saia florida. A falta de calcinha. Passou a usar o nome Pedro pra cima e pra baixo. Dizia que Pedro não existia, era uma projeção dele próprio e essas coisas de gente analisada. Então eu também não existo. Nem ele. Nem esse texto. O que faz cada pessoa quando não está sob um olhar julgador( meia-palavra basta, meia-calça basta) ? Eu o levei para conhecer. Pedro é perfeito, forte, inteligente, carinhoso e um tremendo pau, que sabe usar sem machucar. Rico. Me disse o paspalho inseguro, na saída do jantar:

- Só pode ter um tumor no cérebro.

Ficou com isso. Ele é uma pessoa má. Não podia ver ninguém mais interessante que ele - em meu meio social não é difícil - que lascava o tal de "tumor no cérebo". Na primeira vez eu ri, eu tinha um Uno Mille e transava garotas estudantes da PUCC e Unicamp. Depois, ficou cansativo e mandei dar-lhe uma surra. Foi quando quebrou a perna pela primeira vez. Ou alguém engoliu a conversa de futebol ? Ele, jogando futebol ? Disse que deveria ter inventado história melhor. Não me consultou. No jornal, certas coisas, notícias me irritam. Então ele vai e mata. Ele contou de quantos crimes? Alcóolatra é uma merda, sempre diminuindo o número de doses. Sim, existe uma troca. Nunca nos viram juntos. Nunca ninguém uniu nossos nomes. Alguém daquele jogo de futebol está aqui ? O jogo não existiu. Precisava virar homem para o que me era saboroso, a saber, a justiça conforme minha Vontade. Arrumei o emprego. Fiz perder. E ganhar cicatrizes. Chorava demais quando se iam as garotas. Patético. Existem algumas lições para se fazer quando uma menina é perdida: se a outra era loira, arrume uma morena( vejam a seqüência de suas conquistas e entenderão...), o presente que a ex queria granhar, nunca dê, sempre deva um carinho material para a atual, e satisfaça essa gana, publicamente, sempre, na outra mulher. Percorra faixas etárias. Continue amigo das amigas....Ele aprendeu. Tá. É esquentado. Mas toda vez que se segura, fica em silêncio, respira fundo ( usa o papo do Tantra e do velho rabugento Osho. Ai, ai), toda vez que não quebra a cara de alguém, é nas minhas lições que pensa.

Mando vídeos, agora que ele está se achando multi-mídia. Perdido na vida. Se é tão bom, ganhe dinheiro. Coloque comida dentro de casa, bonzão! Vídeos meus. De minhas fodas. Mando assistir filmes em que aparecem mulheres idênticas a mim. Tenho um rosto comum em imagens e delicioso em realidade e cheiro de abraço. Uma dessas fotos sou eu.( "Você viu alguma conhecida aqui ? Por que gelou ?"). Outra foi tirada de "Último Tango em Paris". Lá, a mocinha mata Marlon Brando. Com esse filme eu o ensinei a comer um rabo, o meu ( sendo meu, permito-me a indelicadeza vocabular), e a assassinar sem culpa. Treinamos exaustivamente a cena final de "Os Suspeitos" : eu o fiz andar, manco, ele mesmo, por meia avenida, pensando nas perdas, nos amores falidos, nas chantegens, nos medos de tudo(???) perder, tudo que mais adora, sim, inclusive isso que vocês estão pensando. Chamo mesmo de isso e daí? E diante da loja de jeans, engolir o choro, levantar a cabeça, seguir andando e assaltar alguém antes de virar a esquina. Se vocês sabem de que avenida estou falando, ele desce mais uma quadra e me encontra na sede do jornal. Lá eu o esperava sempre. Que não tivesse os olhos inchados. Mas o sabor de lágrimas na saliva. Lágrimas dele. Uma vez tentou me enganar. E eu não o levei até o hotel. Se sabem de onde estão falando, sabem de que hotel falo. Se não sabem, bem, ele, como é de sua naturaza rato, não contou tudo. O que ele contou para você ? E para você ? Depois me contem. Está na hora de explicar os pormenores de quem é esse sujeito. Anotem aí: bluebelle@uol.com.br

Não invadi o computador dele. Nada disso. Está bem aqui, do meu lado, com a cara macilenta de sempre, que uma hora cansa ( não é mesmo ? o tesão com ele é assim, uma hora some, desaparece, você olha para um detalhe do rosto dele e pensa : "como fui dar pra esse cara, minha mãe !"), com o rosto que ele reza, reza mesmo, para que a barba cresça logo. Não cresce. Tomou bombas demais, por isso está aí doente, um tanto efeminado. Vai morrer logo. Foda-se. A turma do teatro não pode nem ouvir o nome dele assoprado em ouro. Assim que ele deixa as pessoas. Expulso de Listas. De YahooGrupos. De Sociedades Psicanalíticas. De Blogs. Paulo "Confusão Infernal" Castro. Que vergonha tem dessas tetinhas moles que balançam ! Faz bico aqui, chora, ajoelha, ri, conheço todos os truques. Cuspo. Tenho nojo. Como um pão que deixei mofar.

Mas e se algo não for truque? Tudo é. Nele eu resolvi estudar. Não teria tempo pra mais de um. Acaba de dizer: "estou me auto-detonando, está engraçado, nunca fiz isso". Ou ele escreve isso, ou surta. Sim, o potencial suicida é grande, o esquizofrênico é enorme. Patético. Como gostaria de ser perverso. Um Sade ! Gasta dinheiro com esse tipo de leitura! Uma vez me perguntou, no ônibus:

- Quanto mais eu leio, menos sei. O que faço, porra ?

( ele é cheio dessa "porra" auto-afirmativa)

- Pare de ler !

( Conhecem a coleção de Paulo Coelho ? De Horóscopo ? Não é contraditório...?)

( e os pontos separados das palavras. me pede pra colocar. ele se faz de feliz, truque de hoje jantar, rir, trepar e depois recomeçar a merda cotidiana).

Ele continou lendo.

Alguém o chama no MSN. Aqui. 14:22.

- E o texto de hoje ?

- Fazendo. Em 7 minutos fica pronto.

- Como miojo. Cronometrado ?

- Como orgasmo de esposa.

- Que exemplo péssimo. E ótimo.

- É. O Paulo é péssimo.

-...

- Nada. O Paulo é como eu: irônico, mau e maravilhoso.

- Gosta dele ? Leva.

Esse tipo de coisa.

Hipótese em cabeças pequenas: Eu não existo, o Paulo sim, ele está me criando.

Pensem bem. Muda alguma coisa ? Quem iria se denegrir tanto ? Criar um e-mail para contar os podres...e mais...provar. Fotos. Cópias de conversas. Ou ele aceita, ou eu vou embora. Está milindrado por um amor aí. Visita que fiz na hora certa. Batman e Curinga. Quem é quem ?

- Estou atrapalhando você fazer o texto ? - outra pergunta de MSN.

Respondo:

- Não, o Paulo está me atrapalhando.

Putz, perdão, Paulo. Falei seu nome. Algumas vezes. Isso te compremete ? Coloca em risco teu amor, teu coração, tuas fodinhas potenciais, que você tanto descaso faz? Rs....Pára....ai.....rs.....ok, escrevo, escrevo:

Então, quando ....( como é...ahahahah..... ? )....quando um escritor usa o próprio nome é uma saída...( não está fazendo muito sentido, Paulo, você é um enrolão...jahahahah...pára, que coisa !...tá.....)....também ficcional, pra trazer o leitor dentro da trama...isso ? ....fraco....mas tá.

( sinto que com a intervenção de Pedro, ou Paulo, [ ok, não brinco mais, ciumento !], o texto caiu...[ viu por quê brinquei ? Agora fica aí....ah, insuportável !].

Na verdade, acho que das próximas vezes vou falar mais de mim. Gostei de escrever no lugar dele. Ciro, tem como mudar? Disse que hoje estava "sem condições", tem que tomar uma medida séria. Uma decisão. Já conheço essa história. Mas o texto do jornal é ele que vai escrever. Já cansei disso. Coloquei esse cara lá, ele que se mantenha. Ninguém pode ser tão nulo, derrotado, pau pequeno, feio, burro, ( contou como colou no vestibular e seduziu o professor da residência ?), e pior....se acha !!! Rs....Outro dia a tal de Fabiana Bórgia falou isso dele. Pra quê ! Veio me pedir "uma força". Bah. Guri tri-chato !

E não adianta choramingar, seu babaca, redondo e incurável bacaca.

Acha que algo que escrevi aqui vai te fazer bem ?

Nada.

Vai perder tudo, o pouco de confiança que te ensinei a inspirar nas pessoas.

Penso em te deixar só.

Mesmo. Não é ameaça.

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( TORTURA CHINESA....AHAHAHAHAHAHHAAH !!!)

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E nem me venha com essa história de dor no peito, que foda ! Histérico ! BICHONA ! VIADO ! BROXA !

Isso é o teu troféu, né ?

Perdedor do caralho.

Beijos pra vocês.

E pros amigos de vocês, sempre bons conselheiros( rs...o Paulo está todo bravinho ! Inseguroooo). Isso aí. Amigo, namorado, ficante, é quem ama a gente e não nos afunda na merda.

Até a próxima.

Me escrevam.

Aos que me ficarem íntimos, passarei o MSN ( quer ver o Paulo pirar...?)....e vamos JANTAR juntos...e desligar o celular de noite....ou atender com neutro "quem fala?"....ahahahahahahah......

Como o pai.

Foi deitar.

Alguém pode desejar um homem que VAI DEITAR ???!

Aff.

terça-feira, setembro 26, 2006

Cupido e Psiquê


Eu tinha escrito um texto na semana passada.
Um texto amargo, na verdade.
Sobre a vontade que a gente tem de impor pra todo mundo as coisas que estamos vivendo.
Se eu estou apaixonada, nada mais natural que todo mundo também esteja.
Se eu estou me fodendo, que todos me acompanhem, então.
Se eu quero votar nulo, que todos se unam a mim, na minha luta.
Mas, não é mais sobre isso que eu quero falar.
Quero é falar de amor, mesmo.
Será que consigo?
Pensei em mais um texto noir, mas teria que ter, obrigatoriamente, um clima pesado, e não é o caso.
Pensei também num poema, que acho que nunca postei um aqui.
Pensei numa crônica cheia de referências românticas, com trechos de música e (Meu Deus!) Pablo Neruda.
Mas, acho que também não é esse o caso.
Claro que eu poderia ficar horas aqui, imaginando como falar de algo que eu nem sei direito o que é.
Só sei que quero falar do corpo querido junto ao meu, forte e firme.
Dos braços-tentáculos.
Da boca-armadilha.
Da fome.
Dos olhos que não conseguem mentir pra mim.
Li num poema do Paulo Castro (http://nalatadopoeta.blogspot.com)
- me beije eternamente...
E caiu como uma luva!
Sabe por que?
Era essa a frase que eu buscava.
Esse é o sentido do meu desejo.
Não quero outra coisa da vida.
Não acho que mereço menos.
Ele diz que sou persistente.
Eu digo que sou uma mulher apaixonada.
E ele não acredita.
Acho que não confia no efeito que o beijo dele tem sobre mim.
O enorme hematoma que trago nos lábios, que não quero disfarçar com batom.
Beijo faminto.
E a minha alma., enlouquecida.
Deliciosa noite passada em claro, sem você do meu lado, mas com você tatuado em mim.
Saudade.
Tesão.
Vontade de acordar com você.

imagem: Cupid and Psyche

Sir Anthony van Dyck




segunda-feira, setembro 25, 2006

Necessidade de aparecer

A semana passada o bicho pegou. Uma das queridinhas do Brasil foi lá para a Espanha fazer caquinha. Ou foi lá para aparecer? Essa é uma pergunta que vale a pena ser analisada. Digo isso porque essa mulherada gata que trabalha com TV (pena que não aparecem na TV C?RO) dependem exclusivamente de estarem com seu ibope lá em cima para sobreviver. E nada melhor do que um pequeno escândalo ou uma noticia de casamento, namoro ou qualquer bobagem dessas para estar sempre no foco das câmeras, o que acaba rendendo por final das contas público e fama.
Bom, muita gente viu o vídeo antes do mesmo ser tirado de circulação. Eu até diria que quase todo mundo. E a Cica foi o alvo da história toda. Fez tanto quanto o namorado, mas só deu ela. Para o cara, sobrou apenas o fato de talvez perder o emprego, pois trabalha em banco e bancos precisam passar credibilidade e segurança. E um sexozinho em praia pública - vulgo atentado ao pudor - sem camisinha fica um tanto fora dessa perspectiva. Mas não que ele vá ficar muito preocupado. Dificilmente ela namoraria alguém de família pobre né? E rica a família dele é. Porém, fica registrado um detalhe. Qual é o nome dele mesmo? Eu não lembro, e duvido que metade das pessoas que assistiram o difamado vídeo se lembre.
Mas vamos voltar ao ponto em questão. Será que ela realmente ficou enfurecida com essa historinha? O que rolou nas TVs e Internet? Uma semana inteira de ibope e fama, que transcendeu em importância as eleições, o futebol, a guerra contra o terror. Pois é. Realmente o sexo é a coisa mais rentável do mundo e o titio Walt Disney já sabia disso há décadas.
E é sempre assim. E se não é ela são outras que não estão mais na crista da onda e resolvem apelar. Luma de Oliveira, Luana Piovani, Juliana Paes são outras que usaram o artifício de mostrarem, como eu posso dizer, o âmago de seu ser, para atrair a mídia de forma pesada. E é claro que conseguiram! Quem não viu essas imagens? E aí depois vem chorar na televisão dizendo que não foi intencional. Pára vai. Pelo menos tenha a coragem de assumir o que faz. Quis mostrar e pronto. Vai render a mídia do mesmo jeito, e o filme, queimado ou não, não vai melhorar com esses arrependimentos. Né Cica? Paes? Afinal de contas, a repercussão que vocês trouxeram à mídia foi tanta que até eu, que me considero praticamente um inimigo da Rede Globo, acabei cedendo aos comentários. Se existe gente que pode meter o pau nelas na praia, na água e em reportagens, por que eu não posso meter o pau no Blog?

domingo, setembro 24, 2006

Tratado da Incomunicabilidade


Naquele ano me retirei para Buenos Aires, desejoso de terminar meu "Sobre a Incomunicabilidade". A língua não dominada, ou feita apenas piada de arremedo latino, me deixavam no ponto desejado: eu não tinha com quem falar. Poderia consultar as cores nos museus, sorrir para o parceiro de balcão no bar, jogar uns trocados no chapéu elegante do mal-trapilho na Caje Florida. Mas a comunicação, sob o risco de me fazer ainda mais patético, era vedada ao isolamento. Sem que eu falasse nada, tivesse por ventura ou azar trocado palavra, recebia olhares de desgosto, gosto, luxúria de homens e mulheres, nas ruas, na recepção do hotel, no olhar malicioso quando a loira apertava o botão do elevador, para depois fixar-se em mim, segundos constrangidos, e morder os nós dos dedos aliançados e muito bem pintados.
Mesmo sendo um país irmão, me via como estrangeiro. Não carregava a morenice sadia dos litorais, nada em minhas roupas poderia identificar a alfândega de origem. Mas eu era um diferente. Como assim, caindo em mim, se comparado com um argentino, era mais argentino que brasileiro, do ponto de vista estético e dos gostos, então eu era o que se podia menos esperar de um brasileiro comparado consigo próprio. Sensação de não possuir um território, fora aquele garantido pela comunicação sorrateira das apresentações acadêmicas ou literárias, essa zona nebulosa, em que a subjetividade cede lugar ao ideal universal, perdendo assim, essa era a minha teoria ne época, o que poderia haver de realmente novo em uma comunicação, de único, já que individual.
Os bares e casas de chá se dispunham em um andar abaixo das ruas e calçadas, escadas metálicas, invariavelmente rangentes, me levavam para tardes de anotações e vapores, criando uma cena, cenário, coisa que me indispunha comigo mesmo, na ânsia de sempre lutar contra a visão cinematográfica que acompanhou-me vida adentro e dentro de minha vida e relações. Um homem ainda jovem, sentado, anotando idéias como que colhidas da transição do azul para o cinza de um céu pesado e leve em pássaros sem histórias, isso, para qualquer observador, fechava já uma imagem inscrita numa seqüência de outras, a compor sinfonicamente uma história, e aí, desejos de encaixe, idealizações e a própria idealização do conceito de "realidade" de um romance, caso, amizade ou tarde sexual em banheiro público ou elegante quarto guarnecido com as necessidades amenas de um frigobar consumista, confortável.
E tudo isso sem a linguagem. Talvez o riso, talvez o choro, numa escala absurda: rir com alguém desconhecido é visto como vulgaridade. Chorar é nobre. Rir é passageiro. O choro é anteparo para o amor. O riso é gozo. Não é difícil notar aí a moralidade ancestral de famílias infelizes, como a minha, como a que nutre a terra portenha ou gaúcha, rio do prata, rios de choro que secam, antecipando o riso da loucura, a história geral dos doidos universais de aldeia. Não houve risada no tempo certo, provocava o choro, como digno de amor, a dor, como digna precursora do desejo.
E assim ia eu anotando, na solidão oscilando entre cinema e caretas, que acabam se transformando também, em sua tentativa de escapar da cena linear, em cinema, em interesse, curiosidade mórbida: "esse sujeito carrega algo de diferente, além de ser obviamente um charmoso pensador, escritor, estrangeiro...".
Naqueles meses fugi de todas investidas de outros corpos e do meu próprio corpo em desistência. Sim, uma rigidez, não tanto em nome da obra, mas intencionalmente procurando sentido, foco, finalização para meu ódio, que foi a causa, briga de outros tempos, pretéritos mais que perfeitos, do meu pensar sobre a incomunicabilidade. Se ela for real, não vejo razão para qualquer relacionamento, já que o sofrimento do choro exaltado é dolorido demais, perto da ínfima chance de compreensão do outro, ou do riso.
Se a comunicação fosse possível, apesar do estrangeirismo, do cinema, da idealização que aquece os primeiros tempos de um amor, eu via o riso como constante dos silêncios, o riso sinônimo de paz, de superação de um xeque-aparentemente-mate do cotidiano. Os momentos de comunicação seriam em uma terceira língua, a criada especialmente para o casal, o grupo, a comunidade erótica. Essa terceira língua corresponderia aos neologismos, piadas, gírias de cama e graça.
Mas naqueles anos, em que eu escrevia tudo isso diante do chá e do confeito de maizena, ouvindo a moça diante de mim, simulando uma idéia errônea ( falante demais ) de Valentina de Crepax, que mal se apresentara, e falava, falante, eu escutava e não entendia, continuava escrevendo, e sorrindo, e pedindo a janta ao som do jazz alegre recém ligado no bistrot, naqueles anos eu estava bastante e suavemente só, em Buenos Aires.

(Nunca vim a terminar o "Tratado", ao que minha companheira, me fazendo cócegas divertidas, agora, me chama de "tratante" e é a vez dela me contar alguma história idiota e adorável do passado).