quarta-feira, novembro 15, 2006

Herói ou vilão? Conheça Ulaelle, o conquistador Saxão


Atlas de Mercator, 1595 - Ilha Brasil, próximo à Irlanda (FONTE: http://www.serqueira.com.br/mapas/nomebr.htm)




A gente 'tá chegando. Não agüento mais marchar. Eu sou um ferreiro não a porra dum soldado. Quero ver se ele vai me pagar o que prometeu. Pelo menos ele é simpático comigo. Não é como aquele lunático do Dircerdic. Sorri na sua frente e no momento seguinte você pode estar boiando num rio. Essa sandália tá me matando. Já são 5 dias rumo a leste. Acho que estamos chegando. ‘’Naburs. Passa essa jarra com cerveja. Quando chegaremos? Três dias? Ah não!’’ Esse idiota não sabe nem que mês estamos. Olha para isso. Bonito de se ver. Um mar de guerreiros montando acampamento ao alvorecer, rumo ao último combate. Pena que boa parte desses bastardos fanáticos não vai viver pra ver o fim. Quem diria! Um Rei Saxão que terá o mundo em suas mãos! Um Rei que há poucos anos atrás aportou a Nordeste dessas terras e, com suas tropas, conquistou a Bretanha.

É. Ele teve seus méritos. Mas também contou com a sorte. Desde que me conheço por gente a Bretanha é uma terra de ninguém. O Império Romano há muito nos largou e os Nobres lutam por míseros palmos de terra. Uma lástima. E quando pensávamos que as coisas não poderiam piorar mais ele surge. O grande Ulaelle e seus saxões. Esses safados se espalharam com gafanhotos por todo nosso território tomando tudo pelo caminho. E aí, quando a cúpula dos Reis Bretões resolveu reunir-se para combatê-los era tarde demais.
Eu 'tava em Isca quando tudo começou. Ou era Caer Guarujá? Ah, não importa. Foi o primeiro grande ataque. Uma horda saxã marchou seguindo seu novo líder para a conquista da famosa cidade de St. Dionísio do Campo. Em apenas um dia ele tomou a cidade. A grande verdade é que ele não a conquistou realmente. Ele é um cara muito simples na verdade, mas muito... como é a palavra? Caridoso? Não, carismático! Alguns diziam que ele ameaçou a cidade tomando-a à força. Outros que, com apenas um discurso, conquistou a população. Mas o que realmente importou foi que ele a tomou sem perder um único homem para a milícia da cidade.Um bando de bundões, né? É... e em seguida, com todo mundo de moral elevada, partiu pra grandes conquistas. Dominou o sul conquistando e usurpando terras alheias e conquistando toda a região. Foi aí que lhe deram o título de O Bretwalda, que em nossa língua significa O Soberano da Inglaterra.

‘’Naburs! Traz aqueles gravetos pra cá. 'Tá esfriando rápido!’’.Tem um detalhe que poucos sabem. Ele não é só carismático. Ele é um homem muito perigoso. Diria até que é um tirano. Desde que se tornou o Bretwalda sua nova face brotou. E um homem calculista e cruel apareceu. Ás vezes seu lado antigo aparece, e quando está de bom humor não é um cara tão ruim. Mas muito dessa face nova apareceu depois que outros Reis saxões resolveram aproveitar a brecha que ele abriu. Desembarcaram também aos montes e agora dividem porções de terras pela Bretanha. Nas reuniões entre os Reis, Ulaelle - ou Nove Dedos, como é chamado por eles (teve um dedo amputado numa batalha) - é o Rei mais importante e famoso (o acidente tornou-o ainda popular!), mas não o mais astuto. Dircerdic é seu principal rival saxão. Um Rei extremamente inteligente e vil. Eu vou falar, tenho medo desse Dircerdic. Dizem que já causou muito tumulto lá pelo Continente e agora veio causar mais tumulto numa terra devastada pelas Guerras. Eu torço pra que Ulaelle continue sendo o Bretwalda. A rivalidade desses dois cresceu muito nesses últimos anos. Principalmente depois que forjaram uma frágil aliança. Parece que um tal de Artorius, Artur, seilá, unificou os povos bretões sob uma bandeira e agora defende com unhas e dentes o pouco que restou da Bretanha.
Mas essa aliança 'tá recuperando o controle da batalha. É só olhar esse mar de homens que aqui estão. A essa altura, Ulaelle e Dircerdic devem estar de conversinha pra lá, conversinha pra cá fingindo amizade. Eles estão atrás daquela lenda maluca. Atrás de conquistar a famosa Ilha de Hi-Brasil, a Ilha sagrada do povo celta, coberta de riquezas, ouro e promessas. O verdadeiro paraíso. A grande verdade é que estou aqui pra isso. Quero ver essa tal Ilha aí. Quem sabe não sobra algum pra mim?
Notas:

Hi-Brasil: A partir de meados do ano 1300 e por mais de cinco séculos circularam na Europa boatos a respeito de uma ilha mágica - Brasil, Hi-Brasil, Hy-Brazil, Brasile, etc -, com cidades cobertas de ouro e natureza exuberante, uma espécie de Jardim do Éden ou Xangrilá. Ela apareceu em alguns documentos até 1870.

Aelle (Ulaelle): Rei Saxão. Foi realmente, no século V, o Bretwalda. Detalhe: ele também não tinha 1 dedo.

Cerdic (Dircerdic): Outro Rei Saxão. Não era forte, porém mais brilhante que Aelle.

Mapas que mostram a Ilha de Hi-Brasil: Dalorto de 1325, Catalão de 1350, Pizigani de 1367, Canepa de 1489, Gutierrez de 1562, Wagenhaer de 1583, Mercator de 1595, Magini de 1597, Blaeu de 1617 e diversos outros. (FONTE: http://www.serqueira.com.br/mapas/nomebr.htm)
Agradecimentos especiais: Léo e Henricão.

domingo, novembro 12, 2006

URBANOS - parte 3.


Saio como um elefante esbaforido da cama.
Os sonhos com assassinatos me cercam como corvos cercam um elefante magro e acalorado. Ao lado do quarto, a piscina do hotel iluminada joga luzes que tremem na parede e o perfume da violência é apenas uma flor de infância hoje.
Acendo um cigarro, trago com os pés descalços e não me justifico. Não há motivo para isso. Que tipo de ganho espero obter ? Nenhum. Uma existência de caule, um vento piscina de vela perene, a bem dizer com óleo de arma esfregada no pavio.
- Olhar o olho através do óleo.
Digo em voz alta e não tenho raiva da fumaça nem do quarto.
Preciso da água da piscina como se não desejasse nada, fora estar ausente da circunferância dolorosa daquela mulher que vive em mim, nas fotos que tenho dela, as que agora, depois enxugo, jogo na piscina, enquanto, deixando a porta de madeira aberta, deixo o vapor da sauna invadir a suíte.
Uma fotografia mostra, qualquer uma, um rosto que não é mais, e que nunca foi, completa, observo os detalhes, quadros, drinques, enganos de objetos escrotos e neles sou alguém não mais debilitado, porém sereno como uma rachadura, insensível como uma cicatriz em si, uma história para não me orgulhar, os pés descalços e o telefone sem fio na mão, pressionado contra o ouvido:
- Onde você está ?
- Viajando.
- Eu sei disso. Mas...
- Saudades, por isso liguei e também por estar bem.
- ...
- ...
- Fale.
- Não me peça.
- Você está estranho. Naquele tipo de calma que me assusta e atrai. Não está com outra, é ?
- É o que ?
- Outra.
- Sempre a mesma.
- Eu ?
- Não. Você é de verdade. Eu posso falar com você. Eu falo da mentira. Ela que não está comigo e por isso mesmo é minha companheira de sempre. Por isso ela me cansa. Posso passar dias ao lado de você, ao teu lado, digo assim, mas como a Mentira é a oficial, ela me entedia. Já foi minha namorada, amante e se desejou esposa, desposei, agora eu a reflito e mergulho em água, e a vejo atrás do vapor, ela canta em coro de tantas e tantos que me esvaziam. Eu faço meu trabalho e me preencho e então eu me sinto muito bem como você, se quer chamar isso de amor.
- Não gosto de não saber exatamente do seu trabalho. Existem os livros e as outras coisas visíveis, mas agora mesmo, onde você está ?
- Longe. Depois do banho, subirei até o último andar e vou tomar um drinque. Se o pianista permitir, tocar uma canção de momento e murmúrio.
- Você nunca tocou para mim.
- Quando estou com você, estou comigo. Não perco tempo tocando piano e sendo uma má pessoa, prefiro ver as nuvens como traços pela janela de suas cortinas leves, voadoras, e você deitada em meu peito, suas mãos em carinho acariciando meu carinho arrepio, e o arrepio acaba indo embora com o sono alegre, uma duna se desfaz sobre um calo que também vai junto, levando imagens e fotografias, se vai a rouquidão, fecho os olhos de globo florido com óleos tortos, a objetiva e o diafragma, o zoom e a lente, tudo separa-se em partes e assim, deixa de fazer sentido, me acalmo e não sinto culpa, o suspeito se torna virtuoso, auspicioso...
- Quando você fala estranho assim eu não gosto, mas sinto algo como sendo meu, e íntimo, quer dizer, você não é de falar assim com todos. Você disse que um dia termina o que precisa fazer, então fico com medo da santidade sua.
- Que eu fale assim com todos e todos sejam como você é pra mim ?
- Isso, baby.
- Quando isso acontecer, quando essa pompa de frases for apenas um esquecimento, e a vida, real, pararei de falar.
- Porra...fala uma sacanagem pra mim. Vai. Como acontece quando...
- Agora vou nadar. Depois um drinque, depois não sei.
- Medo.
- Você é linda.
Desligo.
Me enxugo, visto roupas brancas, mocassins e óculos escuros.
O paletó de algodão leve, finge esconder a arma.
Estou calmo e não tenho mais sombra do sangue alheio de mesmo outro dia.
Acho que vou comer peixe com legumes ao vapor.
Chamo o elevador e vou em direção ao alto, de onde, obviamente agora, vem o som da música...

[ continua quinta-feira e /ou domingo ]

º